Bacia do rio Piracicaba comemora os 100 anos de Nelson de Souza Rodrigues, visionário na cultura e na natureza (parte 2)

No dia 15 de julho de 1950, véspera portanto da fatídica final da Copa do Mundo da FIFA no Maracanã, onde o Brasil perderia por 2 a 1 para o Uruguai, Nelson de Souza Rodrigues era admitido na Companhia Vera Cruz, como mostra a sua carteira profissional. Foi contratado como “chefe fotógrafo”, com um salário de 5 mil cruzeiros mensais.

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A lendária Ruth de Souza, que atuou em “Ângela” e “Terra é sempre terra” (Foto Acervo Pessoal Nelson de Souza Rodrigues)

O contrato durou pouco mais de um ano, terminando a 15 de agosto de 1951, mas foi tempo suficiente para uma intensa experiência profissional. “A época pós-guerra até aos meados da década de 1950 foi um período determinante para o cinema brasileiro: ainda tentando remediar o estigma que ficou da idade de ouro das chanchadas – filmes de baixo orçamento, produzidos em estúdios, e com enredos pouco convincentes –, a ambiciosa meta da Vera Cruz era modernizar a indústria cinematográfica brasileira a fim de aperfeiçoar a qualidade técnica da produção tendo em vista um público internacional”, comenta Kathryn Bishop Sanchez, professora da Universidade de Wisconsin, Madison, nos Estados Unidos, e uma das principais referências acadêmicas sobre o cinema brasileiro no plano internacional.

A especialista lembra que Rodrigues chegou à Vera Cruz a convite do cineasta Alberto Cavalcanti. “A equipe à qual Nelson se associou era fundamentalmente cosmopolita, com técnicos e artistas da Inglaterra, Dinamarca, Alemanha, França e Europa Central, todos convidados por Cavalcanti que naquela época era o único diretor brasileiro com uma significativa projeção internacional”, nota Kathryn Sanchez.

Ela lamenta que “a experiência Vera Cruz – a última tentativa brasileira e até sul-americana de criar uma indústria cinematográfica à la Hollywood – foi um fracasso e a companhia declarou a falência após poucos anos de existência em 1954”, salientando, porém, que “no começo dos anos 50, a equipe à qual Nelson aderiu tinha como meta principal o desenvolvimento de um cinema brasileiro revitalizado”.

Sobre Nelson de Souza Rodrigues, Sanchez, que é editora-executiva da Luso-Brazilian Review e de “Performing Latin American and Caribbean Identities” Vanderbilt UP, assinala que, “fotógrafo talentoso”, cabia a ele “chefiar o laboratório fotográfico e com a sua lente documentar cenas dos filmes produzidos para conseguir matéria primordialmente para o registo das filmagens e que poderia servir para publicidade no momento de os filmes estrearem, isto é, posters nos corredores dos cinemas, ilustrações para artigos de revista ou de jornal, e ampliações fotográficas de até 7 por 10 metros para atrair futuros espectadores”.

A professora da Universidade de Wisconsin assinala que Nelson de Souza Rodrigues atuou nesta função durante a filmagem das três primeiros obras de ficção da Vera Cruz, o melodrama Caiçara (1950, de Adolfo Celi, que vinha do Teatro Brasileiro de Comédia, ou TBC), o muito premiado Terra é Sempre Terra (1951, de Tom Payne, baseado na peça Paiol Velho de Abílio Pereira de Almeida) e, por último, Ângela (também de 1951, de Abílio Pereira de Almeida em co-direção com Tom Payne).

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Contrato assinado com a Vera Cruz, um dia antes da final da Copa do Mundo de 1950 (Foto Acervo Pessoal Nelson de Souza Rodrigues)

Kathryn Sanchez continua: “Nesta época, dadas as metas da Vera Cruz de ser um estúdio lucrativo com a última tecnologia, houve uma forte ligação entre o cinema e a cultura de consumo, e maior motivação para promover os filmes e as estrelas com máximo proveito para a companhia. As fotografias de Nelson, de registro de estilo estático – aquilo que a palavra em inglês “stills” bem implica – e as ampliações publicitárias, tinham de indicar o filme, o seu estilo e tom, e apresentar os protagonistas principais”.

Nos retratos e fotografias que perduraram até aos nossos dias, completa a especialista, “vemos em todos eles o cuidado artístico característico de Nelson, uma preocupação constante com jogos de luz e sombra, uma delicadeza em retratar expressões faciais, e um foco particular no olhar dos protagonistas. Essas fotos capturam muito mais que aquele instante: remetem para outros aspetos momentos antes e depois do quadro de registo, com olhares que seguem para além do campo visual da lente fotográfica”.

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A professora Kathryn Sanchez destaca os “jogos de luz e sombra, uma delicadeza em retratar expressões faciais” utilizados por Rodrigues nos registros de filmes da Vera Cruz (Foto Acervo Pessoal Nelson de Souza Rodrigues)

Adolfo Celi, Abilio Pereira de Almeida, Célia Biar, o escritor José Mauro de Vasconcellos (autor do famoso “Meu Pé de Laranja Lima”, entre outros, atuou como ator em Caiçara), Maria Clara Machado (premiada escritora e dramaturga, atuou como atriz em Ângela), Alberto Ruschel, Eliane Lage, a cantora Inezita Barroso (atriz em Ângela), Sérgio Cardoso (um dos maiores nomes do teatro nacional, ator em Ângela), Antunes Filho (outro nome icônico do teatro brasileiro, ator em Ângela), a lendária Ruth de Souza, entre tantos outros personagens essenciais no cinema, no teatro e na cultura brasileira em geral. Em sua passagem pela Vera Cruz, além dos profissionais estrangeiros de alto nível, Nelson de Souza Rodrigues conviveu com grandes protagonistas das artes do Brasil. Naquele um ano, lapidou seus sentidos para os próximos passos da rica trajetória.

(continua)

*José Pedro Soares Martins é jornalista e escritor, com mais de 70 livros publicados e prêmios de jornalismo; consultor de empresas e ONGs.

Para conhecer o post completo, acompanhe a TAG 100 anos dr. Nelson .

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