Bacia do rio Piracicaba comemora os 100 anos de Nelson de Souza Rodrigues, visionário na cultura e na natureza (parte 4)

A histórica Campanha Piracicaba Ano 2000

Nelson_9

O agrônomo e suas miniaturas de personalidades mundiais, que ele mesmo esculpiu: a história nas mãos.

Em 1980, Nelson se tornou presidente da Divisão de Meio Ambiente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba (AEAP). O seu envolvimento com o tema seria crescente e, no dia 4 de outubro de 1985, a AEAP lançaria oficialmente a Campanha Ano 2000 – Redenção Ecológica da Bacia do Piracicaba. O lançamento se deu com uma circular assinada pelo presidente da AEAP, engenheiro Wanderley Esmael, e pelo presidente da Divisão de Meio Ambiente, Nelson de Souza Rodrigues, o mentor e principal motor da iniciativa.

Houve grande repercussão na mídia e sociedade local. Maior impulso se deu com o apoio do Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba, após a apresentação da Campanha por Rodrigues no dia 12 de outubro. Era um conjunto de 32 propostas, depois reunidas na Carta de Reinvindicações, concluída em 1986 e apresentada oficialmente ao governador Orestes Quércia, no Palácio dos Bandeirantes, no dia 30 de julho de 1987.

Várias lideranças locais estavam presentes, como o diretor da Esalq, Dr. Humberto Campos, e o diretor do “Jornal de Piracicaba”, Rosário Losso Neto. Nelson Rodrigues foi quem apresentou a Campanha e a Carta para Quércia.

No dia 11 de novembro de 1987, o governador assinou o Decreto 25.576, criando o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), com a missão inicial de estudar medidas para a bacia do Piracicaba, com base na Carta de Reivindicações. Em sua primeira reunião, a 7 de dezembro de 1987, o CERH declarou como crítica a bacia do rio Piracicaba, tendo determinado ao Comitê Coordenador do Plano Estadual de Gestão dos Recursos Hídricos (CCRHI) a elaboração, em 120 dias, de um Programa Prioritário para a Bacia do Rio Piracicaba.

Novos estudos foram executados na esfera estadual, embora na prática aquela “prioridade” oficial dada para a bacia do rio Piracicaba nunca tenha acontecido. Mas a Campanha Ano 2000 tornou-se vitoriosa, pois a partir dela evoluíram ações que levariam a um cuidado maior com o rio Piracicaba e, também, com todas as águas de São Paulo e do Brasil.

Um dos avanços importantes foi a criação, a 13 de outubro de 1989, do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos rios Piracicaba e Capivari, por ação dos prefeitos das cidades localizadas mais a montante e mais a jusante do rio Piracicaba, Nicola Cortez, de Bragança Paulista, e José Machado, de Piracicaba.

“Naquela época, muitos protestavam contra as agressões ao rio e o Dr. Nelson Rodrigues tem o mérito de ter protagonizado e dado visibilidade a uma proposta concreta, estruturante, para a bacia do rio Piracicaba”, comenta José Machado, economista de formação e que, como morador em Piracicaba e professor na Unimep, foi eleito deputado estadual em 1986, pelo Partido dos Trabalhadores.

Para Machado, Rodrigues tinha clara a noção da relevância do rio Piracicaba “e de seu impacto na paisagem e na cultura, é a grande tradição da cidade, é o que dá identidade à cidade”. Assim, além das questões estritamente ambientais, “proteger o rio, para Nelson Rodrigues, era um dever da cidadania, um dever de todos, e então naquele momento ele encarnava o sentimento da urgência de preservação de um grande patrimônio, além da questão ambiental”, diz Machado.

Do mesmo modo, para Machado estava evidente para Rodrigues “a importância de uma autoridade que coordenasse ações em uma perspectiva regional, pois as agressões sentidas em Piracicaba eram decorrentes de fontes de poluição a montante, em municípios ao longo da bacia”.

E foi o que aconteceu, com a criação do Consórcio Intermunicipal. “Não foi um organismo provavelmente como imaginado por Nelson Rodrigues, que se inclinava para uma autoridade ligada ao governo estadual, mas acabou sendo um Consórcio dos municípios da bacia, de caráter mais independente”, destaca Machado.

Ele lembra que, eleito deputado estadual, solicitou à sua assessoria que aprofundasse os estudos sobre a situação da bacia do rio Piracicaba. Muitos desses estudos estavam a cargo do geólogo João Jerônimo Monticelli, que depois viria a ser o primeiro secretário-executivo do Consórcio Intermunicipal das bacias dos Rios Piracicaba e Capivari.

A criação do Consórcio foi uma das iniciativas de Machado, logo após a sua eleição como prefeito de Piracicaba, em 1988. “Naquele momento, depois de discussão com vários interlocutores, concluímos que um organismo regional vinculado ao governo estadual seria um projeto complexo, demandaria um esforço muito grande. Então após muito amadurecimento evoluiu a ideia do Consórcio Intermunicipal, que não precisaria ser criado por lei e nem estar no organograma estadual. Era algo independente, com um perfil de sociedade civil, e com feito com esse formato concretizamos rapidamente com outros prefeitos na época”, sintetiza Machado.

O Consórcio logo se tornaria uma referência nacional e internacional de mobilização e, não por acaso, o seu primeiro presidente, José Machado, depois seria nomeado presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), criada na esteira da Lei Estadual (de 1991) e Lei Federal de Recursos Hídricos (de 1997).

Nelson_10

O agrônomo Nelson folheia o livro que escreveu com o neto Luccas: paixão de geração para geração (Fotos Adriano Rosa)

Como uma das consequências das leis estadual e federal, foram instituídos os Comitês de Bacia Hidrográfica, como instâncias de planejamento e decisão sobre as águas de cada bacia. O Comitê das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) foi o primeiro a ser instalado.

Para o primeiro presidente do Comitê PCJ, o então prefeito de Piracicaba, Antonio Carlos de Mendes Thame, Nelson de Souza Rodrigues teve papel decisivo em todo esse processo. Rodrigues “foi pioneiro em proteger nosso rio Piracicaba, criando mecanismos específicos de política pública”.

Na opinião de Thame, que foi eleito até 2019 para sete mandatos como deputado federal, Nelson Rodrigues teve assim destaque no processo que resultou na criação no consórcio da Bacia do PCJ, “utilizando todos seus conhecimentos e se dedicando a um modelo que foi exemplo para o estado de São Paulo”.

RioPiracicaba2015Jan_11

Rio Piracicaba, no famoso salto, com menos de 10% de sua vazão histórica em janeiro de 2015, ano que continuou a registrar muitas mortandades de peixes nas bacias PCJ (Foto Adriano Rosa)

O Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (bacia agregada posteriormente) foi criado com a participação de 13 municípios. Hoje são 40 municípios associados, além de 24 empresas. O Consórcio foi fundamental na mobilização que levou a grandes investimentos em saneamento nas bacias PCJ, revertendo o panorama do início da década de 1980, quando emergiu o movimento que teve em Nelson de Souza Rodrigues um dos principais protagonistas.

Claro, os desafios permanecem. Um dos emergentes está relacionado aos impactos do aquecimento global. A seca de 2014-2015, que quase levou ao colapso no abastecimento de água no estado de São Paulo, foi um indicativo de que os desequilíbrios ambientais continuam. A mobilização pelas águas na bacia do rio Piracicaba é, nesse sentido, uma inspiração.

NelsonVeraCruzFotos_12

Pelas lentes de Nelson de Souza Rodrigues, cultura e natureza se abraçam (Foto Adriano Rosa)

(continua)

*José Pedro Soares Martins é jornalista e escritor, com mais de 70 livros publicados e prêmios de jornalismo; consultor de empresas e ONGs.

Para conhecer o post completo, acompanhe a TAG 100 anos dr. Nelson .

Deixe uma resposta