Crochês, Miniaturas e Mamonas Assassinas

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Crochês, Miniaturas e Mamonas Assassinas

As peças de madeira em miniatura rosa e branco representam um quarto de bonecas com tamanha perfeição, que dá vontade de voltar à infância e brincar. Sobre a cama, Marta dispôs colcha e almofadas enquanto, no chão, um lindo tapetinho, todos marrons, de crochê. No mesmo ambiente, ainda se vê, aberto e com as prateleiras à mostra, um roupeiro com minitoalhas felpudas feitas de EVA, cuidadosamente enroladas e guardadas.

Uma vez por semana, em esquema de plantão, a artesã Marta Ibanes, formada em Publicidade e Propaganda na UNIMEP, passa o dia na lojinha da Associação dos Artesãos de São Pedro, situada no Parque Maria Angélica. O artesanato, sua terapia durante os longos dias de confinamento impostos pela pandemia da COVID, ajudou-a, preenchendo-os. Todavia, eles se tornaram ainda mais solitários quando parou de fumar.

Temi que fracassasse quando, no retorno ao consultório, logo após o início do tratamento do tabagismo, me contou que perdera o emprego como atendente num hotel. O motivo: ser fumante.

Nessa direção, uma pesquisa, realizada pela recrutadora Catho Online, revelou que 83% dos presidentes e dos diretores de empresas preferem contratar os não fumantes. A meta dos empregadores consiste em evitar o absenteísmo, as frequentes interrupções que ocorrem quando o funcionário sai para fumar — em média, o fumante perde 90 minutos por dia entre uma tragada e outra, diminuindo a atenção e prejudicando a produtividade.

Começou a fumar ainda criança, aos 12, junto com mais 4 irmãos, o namoradinho de infância e quase todos os amigos da rua. Residia ao lado do Bosque dos Jequitibás, em Campinas, região muito arborizada até hoje — um oásis no meio da grande cidade.

Solteira, Marta morava com os pais. Saiu para estudar em Piracicaba, mas voltou para assistir o pai com Alzheimer e a mãe com problema cardíaco. Os genitores não fumavam, mas a convivência com os filhos definia-os como fumantes passivos. Após sofrer dois infartos e se submeter à cirurgia de Revascularização Miocárdica — a famosa Ponte de Safena —, Marta amparou a mãe nos braços até o momento da morte.

Anualmente, o tabagismo causa a morte de cerca de 162 mil brasileiros. Desses falecimentos, 19 mil decorrem do fumo passivo, segundo dados do INCA. Quem respira a fumaça do tabaco apresenta risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão e 24% maior de sofrer infarto do coração, comparado às pessoas não expostas à poluição tabágica.

Uma boa notícia, apresentada em maio de 2022 por pesquisadores do INCA: pessoas que trabalhavam em ambientes fechados, livres do fumo, apresentaram maior proteção ao tabagismo passivo dentro de seus lares, em comparação aos indivíduos empregados em lugares nos quais se respirava a fumaça de cigarros.

Ao final desse ciclo, Marta escolheu, para morar, a pacata cidade de São Pedro, onde já residia uma das irmãs com seus gatos, numa casa arejada com varanda e pomar.

Apesar das circunstâncias adversas durante seu tratamento, Marta obteve êxito e conseguiu parar de fumar. Não ficou quieta em casa. Produziu muitas peças artesanais e, no final de 2022, trabalhou como recenseadora do IBGE. Aos 60 anos, sente-se jovem e revitalizada. A turma de amigos curte as festas na cidade: Mamonas Assassinas cover e Legião Urbana cover, por exemplo, animaram o Festival do Torresmo.

Tentará nova colocação na Feira do Emprego. Mas, desta vez, escolherá atividade que a ocupe de segunda a sexta-feira. Os finais de semana já estão comprometidos.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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