Faces de Trieste

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Como é bonito fazer amor de Trieste abaixo! E portanto, como é belo fazer amor na Itália! Assim diz a letra de uma já antiga e até tola canção italiana que, às vezes, cantarolava eu no passado. Mas certamente não foi só por isso a resolução de ir pra lá, e sim também porque a cidade, que fez parte do império Austro húngaro, limita-se com Croácia e Eslovênia, vi, olhando o globo. Seria mão na roda para chegarmos então a tais países! Bom, mais ou menos…

Eis que estávamos em Trieste, cidade com menos de trezentos mil habitantes, mas de edifícios portentosos, com fachadas mostrando relevos e imagens trabalhadas, imponentes esculturas e desenhos nos prédios. Tem também a maior praça da Itália com vistas para o mar. Diversos dos imóveis e palácios que lá vemos, por outro lado, foram construídos pela imperatriz Maria Teresa da Áustria, o que explica a cidade não apresentar uma arquitetura de fato italiana, e sim austríaca.

Fica também, a cidade, entre os montes nos quais vai trepando e o sereníssimo e azulado Adriático, um mar interno, de modo que ao caminharmos por ela, sempre sabemos se estamos indo no sentido que queremos. Acima os montes e abaixo o mar, é só guiar-se por isso.

Para além dos impressionantes prédios e das estátuas de desbundar as pitanguinhas, as ruas principais, largas, são mais barulhentas do que eu gostaria. Mais agitadas do que as de Gênova, por exemplo, que tem o dobro do número de habitantes de Trieste. Mas Gênova possui linhas de trem e de metrô. É muito diferente. Quanto ao barulho da cidade, deve-se àquelas vespinhas italianas ruidosas, detestáveis, e às ambulâncias e bombeiros que vão de cá pra lá, quando vão, apitando estridentes. Os veículos correm um tanto demasiado. Com alguns dias acostumamo-nos; ou quase.

Muitas pontas de cigarro atiradas ao chão há também em Trieste; isso nas ruas principais, mas quase não se veem pessoas a fumar, o que é paradoxal. Em Roma, a cada dois minutos a gente toma uma baforada de cigarro no nariz e nos pulmões. Em Trieste recebemos sempre uma lufada de perfume. Todos os tipos de essências, das mais singelas às mais refinadas e caras, nos chegam a toda hora, o que é prazeroso.

Apesar da referida questão do trânsito no centro da cidade, as pessoas não são nada estressadas; tensão zero. Tranquilas, sempre em rodinhas e conversas cordiais entre si, param pra falar com a gente e explicam-nos tudo. Basta sorrir pra alguém e o sorriso nos é imediatamente devolvido. É alegria e gentileza sem economia. E como gostam de cães! Vira- latas comuns, alguns outros com raças definidas, sempre nas trelas, calmos também, daqui pra lá. Nunca vi fezes na rua (e como andamos!) nem senti odor de urina em lugar nenhum, ou vi cães a urinarem nas vias, o que é o segundo paradoxo da cidade.

As senhoras tingem sempre os cabelos, maquiam-se, arrumam-se e se perfumam, mesmo quando têm bastante idade. Há jovens escolares também, bonitos, fazendo a vida normal diária, e há crianças em bom número. Mas por falar em idades, há um montante grande de idosos, mas mostram independência e vão de cá pra lá com andadores, bengalas. Usam os transportes públicos, vão às compras, atravessam as ruas, arrumam-se. Muito bom ver como são integrados à sociedade.

Outra coisa com a qual me surpreendi, em relação aos idosos, foi vê-los nadarem nas águas do Adriático, pois ali não há praias propriamente, mas escadas de metal sobre as pedras que dão para o mar alto. No entanto, salgadíssimo, o que faz com que se flutue com facilidade.

E há, no inverno, disseram-nos, a famosa Bora. Um vendo súbito, que alcança cento e cinquenta quilômetros por hora e que pode durar dias. Os postes têm correntes, para apoiá-los e onde as pessoas se agarram. Uma simpática, fina e bonita senhora, de uns cinquenta anos, conversou conosco e narrou que as pessoas de lá sabem por quais ruas se pode andar e por quais não, em tempos de Bora. Ela mesma foi surpreendida pelo vento numa ponte nova, recém-construída, andando a pé, e diz ser algo indescritível, que arranca as roupas, arrebata coisas das mãos, mas que ela conseguiu agarrar-se a uma corrente. Bem, mas isso no inverno… No verão e num bom, ensolarado setembro como a vimos, a cidade se mostra simplesmente adorável. Por isso James Joyce viveu lá durante muitos anos, e por isso ele disse:

– Minha alma é a Trieste.

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