Tem cabimento? (dois)

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“Você acha que as opiniões das crianças são ouvidas?”

“Não muito. Quando a gente fala, o adulto diz: ‘O que você vai entender disso? Você é uma criança. É assunto de adulto’. (…) acho que as crianças deveriam ser mais ouvidas. Por que todo mundo deve ser ouvido”.

“E na escola, você é ouvida?”

“Não muito”.  (Beatriz Eduarda Almeida Moraes, 11 anos. Folha 01.10.17).

Por não ter tido filhos, minhas colocações são questionáveis. Porém, vivi com crianças toda minha vida profissional e comunitária. Do abrigo onde trabalhei, por exemplo, tenho até hoje tocantes bilhetes. Eles me dão algum respaldo. Vejam este: “Quando eu era pequeno ninguém estava aqui para me ajudar. Porque eu tinha tanta coisa para desabafar… Mas o único que estava aqui era o nosso Antonio Carlos. Ele foi o único pai para nós. Quando a gente tinha algum problema a gente ia ao escritório dele para desabafar, contar tudo o que tinha pra dizer”. (Antonio Marcos, 10 anos).

Quando vejo insanidades como a do vigia Damião, que botou fogo na creche em Janaúba (MG); do aluno do Goiânia que matou 2 colegas de classe e feriu quatro; dos matadores de Las Vegas e Orlando nos EUA, de abusadores, sociopatas e etc. fico a pensar na infância que tiveram. Não quero justificar seus atos, mas tentar explicar, já que ninguém – exceto casos patológicos – nasce mau. É preciso muito tempo de desamor para fazer um adulto desatinado. Podem ter vivenciado horrores sem ter alguém que lhes sossegasse o coração. Tiveram que criar fantasmas para explicar o que não entendiam. Como ovelhas desgarradas não encontraram quem os ouvisse, estimulasse e os acolhesse, mesmo não estando sós. E assim cresceram como plantas ressecadas no deserto. Descrentes do mundo, carentes de tudo, descrentes de si. Muita gente deve ter estranhado criança tão quieta, triste ou agressiva, porém ninguém fez ou nada pode fazer. Como esperar amor de quem nunca teve?  Tivessem recebido um pouco de atenção suas vidas teriam tido outro rumo. “Qualquer coisa que você preste atenção na sua vida, cresce e se ilumina”. (Miriam Subirana). Inclusive você mesma (o).

Que atenção pode ter criança que fica sozinha em casa? Nem adulto gosta de ficar sozinho. Por outro lado, criança cada dia com um parente que referência terá na vida; mesmo as deixadas em creches antes dos dois, três anos de idade? Que futuro pode ter uma criança mandada para abrigo sem seu consentimento só porque sua família não corresponde ao padrão aceito pela sociedade? Pela experiência que tive, famílias em situação de risco, antes de tudo, devem receber proteção integral e intensa atenção da rede socioassistencial, e não ser desmantelada como vem acontecendo. Na verdade, são vitimas da injustiça provocada pelo próprio sistema que as quer regenerar. Por pior que seja uma família é melhor que ficar aos cuidados de um Estado que nem de si cuida. Tenho convicção que dentro de condições favoráveis essas mesmas famílias protagonizariam as transformações que precisam.

Segundo pesquisa encomendada pela ACIPI em setembro passado, 71,3% dos piracicabanos pretendiam presentear os filhos neste Dia da Criança. Em vista disso, o comércio funcionou em horário especial. No dia 11 – 4ª feira – das 8h às 22h. Dia 12 – Dia da Criança – das 9h às 16. No dia 13, sexta-feira, normal. No sábado, das 9h às 18h.

Vejam quanta hipocrisia! Crianças ganharam presentes, mas passaram o seu dia sem seus pais. Algumas, sozinhas – pelo menos filhos de comerciários.

Tem cabimento?

 

 

 

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