Bondes e charretes

Está em curso na Câmara dos Deputados um projeto que obriga o emplacamento de charretes movidas a cavalo, a burro ou a boi. Isso significa, pois, que elas, as charretes, ainda existem e, pelo visto, em número crescente para causar preocupação ao legislador. Enquanto isso, nos Estados Unidos,em dezenas de cidades – conforme largamente noticiado pela imprensa – os bondes estão retornando à ativa.

Piracicaba foi uma das cidades pioneiras no interior paulista a ter bondes. Aconteceu em 1916. Há, portanto, quase um século. Eles foram desativados em 1969. Antes disso, o empresário e vereador Lázaro Pinto Sampaio, como presidente da Câmara Municipal, anunciou que Luciano Guidotti decidira extinguir os serviços de bondes, substituindo-os por ônibus elétricos. Os bondes sumiram – o último foi desativado em 1972, está ainda no jardim da ESALQ – e os ônibus elétricos nunca foram implantados.

Na região onde moro, há jovens e idosos que trafegam com suas charretes, os cavalos calmos conduzindo com serenidade os ocupantes. Vejo-os em supermercados, em portas de farmácias ou simplesmente passeando. Já se nota, também, o crescimento realmente vigoroso dos usuários de bicicletas. E homens e mulheres que apenas caminham, deixando-se levar por seus próprios pés. Ao mesmo tempo, porém, é cada vez maior o número de automóveis que trafegam conduzindo apenas uma pessoa, filas e filas de automóveis com uma só pessoa.

O mundo moderno acordou para o inferno que criou para si mesmo. Amsterdam – que insisto em lembrar sempre – foi a primeira a tomar a decisão sábia: o governo municipal não iria fazer mais avenidas, construir mais pontes e rotatórias, para facilitar a vida dos proprietários de automóveis. Investiu mais e melhor em transporte coletivo, que já era de alta qualidade. Os cidadãos que encontrassem soluções. Os novaiorquinos deixam seus carros em casa, amedrontados com o trânsito sufocante. E Piracicaba parece estar orgulhosa de ser cidade, hoje, onde há um automóvel para cada dois habitantes. Há que se registrar: há famílias de quatro pessoas que têm dez a doze automóveis, como se fossem usar um ou dois para cada dia da semana.

Ora, estamos em um novo mundo, transformador e transformado, com novas tecnologias e novos costumes. Não há, ainda, que se chamar de mundo desenvolvido ou de progresso, pois não há desenvolvimento ou progresso onde não houver um propósito definido. Estamos, ainda, na transição que costuma ser sinônimo de caos. E é do caos que se faz a luz. Abrir novas avenidas, diminuir calçadas para dar mais espaços a automóveis e motos – essas são soluções velhas para velhos problemas.

Piracicaba deveria – como é de sua natureza e de sua gênese – ser a pioneira em novas e modernas soluções, sabendo que o verdadeiramente novo é antigo. O retorno de bondes, de trens urbanos, veículos coletivos leves, rápidos, confortáveis, tabelamento razoável das corridas de táxi, a implantação das chamadas lotações, motos adequadas para passageiros e – por que não? – charretes e carruagens. Ora, o que há de mais belo, chique e prático do que andar de carruagem em Nova York? Por que seria diferente na nossa rua Governador?

Em São Paulo, já há faculdades funcionando das 4h. da madrugada às 8h da manhã. E prestação de serviços em muitos níveis – incluindo o atendimento médico – também durante a noite, indo-se madrugada afora. Por que não se revisar o horário de funcionamento de comércio, indústria, escolas, bancos? Nos 1970, o prefeito Cássio Padovani elaborou um plano formidável para disciplinar o trânsito e o tráfego: a área central – da Rua Regente Feijó até o mercado, entre Benjamin Constant e Alferes – seria vedada a automóveis, que estacionariam em ruas transversais e em estacionamentos próprios. E, no centro – entre aquelas ruas – circulariam bondes para atender a população em suas idas e vindas aos centros comerciais e de serviços. E o serviço de bondes seria gratuito. Cássio morreu e o plano deve estar mofando em algum fundo de baú dos edifícios públicos. Bom dia.

1 comentário

  1. marcelo basso em 24/08/2012 às 16:54

    bom te ler novamente diário
    abraço

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