AI DE VÓS!
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A Folha de São Paulo de 06.05.12 traz o nome de 36 bilionários brasileiros que estão na lista da revista americana ‘Forbes’. São empresários ligados ao petróleo, agronegócio, etanol, cimento, bebidas, metalurgia, alimentação, cosméticos, construção civil, lojas, bancos, etc. A fortuna pessoal estimada deles vai de 1 a 5,2 bilhões de dólares.
Não quero de modo algum generalizar e nem tenho conhecimento sobre o tema, porém gostaria de saber como poucos conseguem acumular tanto. Teria sido de modo legítimo? Quando leio o que fizeram com os negros, por exemplo, entendo muita coisa. Os navios traziam o dobro do que podiam porque metade morria na viagem. Trabalharam cerca de 400 anos de graça. O lucro do que produziram ficou para quem? Com a escravidão tornada insustentável e injustificável, os brancos se viram legalmente livres deles com a tal de abolição ao contrário. Com uma mão na frente e outra atrás, a grande maioria foi dispensada sem dinheiro, sem casa, sem emprego, sem nada. Se os barões tivessem indenizado os negros como seria o certo teria lhes sobrado dinheiro para acumular e investir nas bolsas; estudar filhos na Europa, ganhar demandas injustas, avalizar títulos, agregar terras, adornar as fazendas e construir palacetes na cidade? Não viria daí a herança de muitos abastados de hoje?
Meu pai, nascido em 1911, contava que os negros moravam nos barrancos dos ribeiros. Eram temidos pela agilidade nas pernas. Abandonados e sem nada que fazer bebiam e brigavam, tanto que na estrada do Pau Queimado, bairro onde ele nasceu e cresceu, havia muitas cruzes assinalando mortes violentas. Segundo ele, essa situação só melhorou com a construção da estrada de ferro da Paulista. Todo o aterramento que lá vemos até hoje foi feito com carrocinhas, lombo de burro e braços dos negros.
Quanto se vê quem faz as leis e as regras; cria as ideologias destiladas nas escolas, priva a população do conhecimento e da participação; corrompe e manda no Executivo, no Legislativo e no Judiciário; domina os meios de informação, põe preço no remédio, no arroz e na mão de obra; detém os meios de produção e domina a economia, dá para entender porque pouca gente ajuntou tanto.
Quando sei que direitos trabalhistas aconteceram por causa da ousadia e da coragem de operários e operárias, cujo sangue regou campos e sagrou chão de fábricas – hoje pisados por lacaios sindicalistas; quando sei do trabalho escravo nas fazendas e canaviais; dos alojamentos imundos, insalubres e do salário vil; quando vejo a natureza devastada pelo agronegócio e pela biotecnologia; os paraísos ecológicos profanados por empresas de combustíveis fósseis; as tenebrosas manchas cobrindo de morte a vida marinha; os brejos virados condomínios; as nascentes soterradas, os rios morrendo; deserto, fogo e erosão entendo porque o dono da COSAN e da MRV, só para citar alguns, ficaram tão ricos apesar da imensa dívida social e ambiental que carregam.
Quando vejo empresas bancando políticos para juntos devorarem a coisa pública nos aditamentos e superfaturamentos; o regime pesado de trabalho dos operários; a família esgarçada pela economia; a miséria, as prisões cheias de pobres; domésticas, caseiros, babás, trabalhando anos a fio sem registro em troca das sobras oferecidas pelas patroas, entendo o que Jesus disse: “Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação! Ai de vós, que agora estais saciados, porque tereis fome! Ai de vós que agora rides, porque conhecereis o luto e as lágrimas!” (Lc 6,24). Não que serão mandados para o inferno. Já vivem nele visto que não possuem as riquezas, são possuídos por elas e são respeitados não pelo que são, mas pelo que têm.
“Há pessoas que vivem num luxo intenso, mas por dentro têm uma miséria muito grande”. (Lucia Cerqueira Gomes, médica)