Chamem John Wayne, Clint, Jack Bauer…

Season_4_pwnage_(interrogation_101)Lembro-me — quando Elvis Presley e os Beatles nos apaixonavam a juventude — de meu pai inconformado: “É o fim do mundo!” E eu, metido a revolucionário, contestava-o: “Não. É o início de um outro mundo.” Para ele, eu me tornava um irresponsável. Para mim, ele passara a ser homem superado.

Nos 1980/90 — adolescência dos meus filhos — vendo-os deslumbrados com o tum-tum-tum do “rock pauleira”, eis que também lamentei: “É o fim do mundo!” E eles, em resposta: “Você está antiquado, paiê. É um mundo novo.” Então, entendi nada haver de novo sob o Sol.

E compreendi mais: o mundo realmente se acaba. A cada geração. E a imagem que me encanta é mesmo a da árvore, com suas raízes firmes, vivas, fixas. Mudam as folhagens, os ramos em cada estação do ano, valores que se transformam: flores primaveris, frutos outonais, calores de Verão, silêncios hibernais. Eles se alternam. Mas porque as raízes permaneceram sólidas. Logo, o mundo visível muda, morre. Os princípios, no entanto, permanecem. Se, porém, morrerem, tudo estará consumado.

Admito: o mundo de minha geração já morreu. Exteriormente, porém e apenas. Pois ainda lateja nas raízes, como que desejando novamente brotar, tal qual o “eterno retorno”, o “sim que o mundo dá a si mesmo”, conforme entendem muitos pensadores. Em resumo, ir e retornar é o ciclo do mundo. Da luz ao caos e do caos à luz. Sempre.

Não creio já estejamos de retorno ao caos. Mas aproximamo-nos dele, vivendo a era da transformação desordenada, da perplexidade, do não-saber-para-onde-ir. Certo e errado, bem e mal, bom e mau, alegria e tristeza, esperança suspirante e desesperança doída — tudo se confunde, nada mais se define. Estamos apenas num “faz-de-conta”. Se bem pensarmos, até num “fazendo de conta viver”. Pois apenas sobrevivemos.
O Brasil, em meu entender, tem sido uma festa de “faz de conta”. Até a tão proclamada democracia não passa de um “faz de conta”. Pois democracia não é a desordem que temos vivido, a liberdade sem responsabilidade, a gritaria por direitos e o silêncio diante de deveres. Democracia não é o simples direito de votar, mas compromissos sérios com o coletivo, com o respeito à lei e à ordem, com a busca permanente da ambicionada justiça social.

Democracia é um contrato social no qual não existem partes privilegiadas em prejuízo das desfavorecidas. Os valores são, em essência, os que inspiraram revolucionários franceses: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Logo, jamais haverá democracia onde não houver justiça. Prevalência do mercado desordenado não é democracia. Pois, em mercado, não há justiça.

O Brasil confundiu as coisas, em sua adolescência democrática. O medo do autoritarismo contaminou o significado de autoridade. A desculpa do trauma da ditadura impede o pleno e verdadeiro exercício da liberdade, que passou a ser licenciosidade. Ora, não há liberdade plena para tudo. Há a liberdade conforme a lei e a justiça. E, portanto, não apenas com direitos, mas, especialmente, com deveres. E este, o dever, está propositalmente esquecido.

É um “faz de conta” total. E irresponsável. O direito de se manifestar, de protestar — intrínseco à democracia — não pode se confundir com o crime da depredação, da barbárie e da barbaria. Perdem-se o legal e o moral. As instituições não mais impõem respeito.

Os poderes já se desmoralizaram, incluindo o Judiciário que nos deixa inseguros. Ou já não são prova de insegurança jurídica os repetidos crimes de linchamento, a lei pelas próprias mãos?

Antes que a barbaria vença em definitivo, imagino um outro “faz de conta”. Que busquemos John Wayne, Clint Eastwood e Jack Bauer. Eles entendem de como resolver bandidagem, barbaria e desordem, quando as autoridades e a lei deixam de funcionar. Que venha John Wayne, para cuidar da bagunça no campo, nos transtornos e irresponsabilidades em nome de uma justiça agrária desvirtuada.

Que Clint venha e use sua autoridade para cuidar das greves falsas, dos black blocs impunes, das depredações criminosas. E que, por fim, o Jack Bauer — especialista em terrorismo — apareça para acabar com o terror político cuja origem está nos subterrâneos de todos os poderes, dos municipais aos federais.

Se é para “fazer de conta”, façamo-lo com seriedade. Ora, quando a força da lei não produz efeito, tudo o que resta é a lei da força. E não queiram — os tolos ou os de má fé — que a Polícia trate bandidos com luvas de pelica. Esse nosso irresponsável “faz de conta” induz ao “salve-se quem puder”. Os antigos sabiam disso: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra” — “si vis pacem, parabelum.”

(Esta crônica foi publicada, pelo autor, no “Correio Popular” de Campinas, em 30/05/14)

1 comentário

  1. Luiz Fernando M. Ferraz de Arruda em 03/06/2014 às 21:32

    Com seriedade mesmo teríamos que chamar o Raúl Reyes. O mais moderado.

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