“In Extremis” (117) – MOSAICO (1)
Mudar é preciso. Se para melhor, se para pior, isso quase nunca se sabe. Logo, há que se tentar. E lá me vejo, eu, tentando entender mudanças. Pois, entender é o desafio para acompanhar caprichos da Vida. A Vida está explodindo, assustadora. Desafia-nos. Para o escrevinhador, há um mosaico de assuntos. Tentemos, um mosaico de reflexões.
Todo legal é moral?
Foi nos 1970. Em Piracicaba, em meio a denúncias de imoralidades, um político bradou: “Tudo o que é legal é moral.” As violências da ditadura eram, para ele, morais por serem legais. Penso nisso à notícia de o Secretário da Ação Cultural ter nomeado sua namorada como assessora da pasta. E nomeou-a num momento em que o Prefeito dispensa trabalhadores para “cortar despesas”. Diz-se ter sido ato legal do Secretário. Revive-se a questão dos 1970: “Mas é moral?” Mesmo agora, tempos amargos, de fome, de desemprego, de luto?
Legal e moral
Democracias verdadeiras vivem e sobrevivem sob o império de leis justas. E cada pessoa tem o dever de obedecer a legalidade. No entanto, o humaníssimo fascínio pelo poder – aliado a crueldades de governantes – alimenta excessos, despropósitos, violências. Quando ocorrem e há consciência coletiva de repúdio, pode acontecer o que se chama Desobediência Civil.
Não se trata de revolução, mas de uma forma particular de desobediência. Ela não busca transgredir, mas mudar o que foi proposto, exigir a correção. O Brasil está mobilizado por indícios de desobediência civil. E, por provocação do atual ocupante de Brasília, ela se torna dever urgente. Pois o homem – diante da tragédia da pandemia – insiste em pregar o erro, a mentira, a indução ao suicídio. Há sinais de uma reação legal e moral.
Ilegal e imoral
Ainda em Piracicaba, estamos ameaçados de uma ação pública imoral e ilegal. Trata-se da incrível pretensão de violar-se a Pinacoteca Municipal. Ora, a Pinacoteca é um patrimônio histórico, artístico, cultural, oficialmente declarado. Logo, preciosidade a ser protegida. É ilegal violar-se um patrimônio histórico e público. E é imoral pretender fazê-lo, pois se agridem a história, a cultura, o passado, as conquistas e o sagrado de um povo. Apenas isso.
Moral e ilegal
Nossos governantes – pelo menos, alguns – em todos os níveis, devem ter ouvido falar da Revolução Francesa, da Queda da Bastilha. Foi a revolta final de um povo diante da monarquia cruel. Talvez, para melhor entender o que seja revolta popular, fosse interessante ler “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, obra prima da humanidade. Com fome, doente, desempregado, sem perspectivas de futuro e de sobrevivência, os franceses vitimados invadiram a Bastilha, símbolo da indiferença da crueldade monárquicas.
Começamos a ver ações ilegais, roubos, assaltos, violações. Até aqui, são casos ainda isolados. Ainda. No ar, porém, há o cheiro de pólvora, de rebelião, de luta pela sobrevivência. São moradores de rua, famílias despejadas de suas casas, desempregados, desassistidos, enfermos – os desesperados. Inevitavelmente, haverão de romper barreiras para sobreviver. E será moral.
Amoral
Amoral é aquele que mostra indiferença aos valores e qualidades morais. Para essa pessoa – como, também, para a instituição – juízos de bem e de mal não têm importância. Substituem-nos por modelos diferentes da ordem moral. Uma política econômica que ignora o povo, na qual o homem deixa de ser sujeito para se tornar objeto, onde o lucro se sobrepõe à condição humana – é uma economia amoral.
Enfim, nada há de novo sob o Sol.
Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG “In Extremis”.