“In Extremis” (159) – A essencial arte da hipocrisia

MACACOS

(imagem: produção Google / revistavitrineibiuna.com.br/?p=8988)

Os gregos chamavam-nos de “hypocrytès”. Eram atores que, nos palcos, representavam personagens dizendo falas que não eram deles mesmos. Atores, apenas simulavam, desempenhavam papéis. Logo, eram hipócritas. E parece terem, eles, antecipado o que – mesmo criando outras civilizações – seria uma das garantias da humanidade: a hipocrisia. Pois, sem exercê-la, o caos já teria acontecido. Imagine se cada pessoa dissesse, com franqueza, o que pensa da outra!

Quando Jesus – isso, obviamente, é o que imagino – nos orientou para “sermos mansos como as pombas e espertos como as serpentes”, essa nos foi uma lição de sobrevivência. Ele sabia o que nos esperava: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos….” Ora, serpente é símbolo de sabedoria. Logo, o hipócrita tem muito de sábio. Pois sabe o que fazer e dizer, quando, onde e como. Enfim, hipocrisia e diplomacia são parentes muito próximos. Não por acaso, ambas são essenciais no exercício da chamada ciência política.

Um dos mestres nessa arte fundamental na função política foi, reconhecidamente, o mineiro José Maria Alkmin, alçado à vice-presidência da República, no governo Castelo Branco. Está no folclore político o episódio em que ele teria perguntado, ao eleitor, como passava o seu pai. O homem respondeu: “Meu pai morreu faz tempo.” E Alkmin: “Morreu para você, filho ingrato, pois ele continua vivo em meu coração.” Um mestre, pois, na arte da hipocrisia. Aliás, em se tratando de sabedoria, aqueles três macaquinhos japoneses resumem o necessário para não se complicar a vida: “Não falo, não ouço, não vejo”.

Trata-se, obviamente, de uma grande mentira. Pois, na realidade, os macaquinhos apenas fingem terem-se ausentado da vida. Eles – ainda que budistas ou xintoístas – sugerem um preceito também judaico-cristão que nos propõe a “prudência e a sabedoria”. Ora, o que há de mais imprudente e tolo do que revelar o que se pensa do próximo? A serpente sempre se mostrou, portanto, prudente e sábia. Logo, hipócrita, atriz.

Em mim, tornou-se-me um mantra o apelo ao Senhor do Mistério: “dai-me prudência e sabedoria”. Especialmente, quando escrevo na condição de jornalista. Trata-se, em resumindo, de simples questão de esperteza. Pois, o que seria de mim se revelasse tudo o que penso ou o que desejo escrever sobre o sr. Bolsonaro ou a respeito da gestão do sr. preboste? Seria, no mínimo, incivilizado. Hei, pois, que usar de subterfúgios, de imagens, de recursos de linguagem. Dizer sem dizer, a grande arte da hipocrisia e, portanto, a sobrevivência. Mas que é dolorido, garanto que o seja. A civilização, na realidade, cobra o preço de a hipocrisia causar úlceras estomacais, ansiedade, depressão, males de nosso tempo. Fingir, desempenhar papéis, ser civilizado rouba-nos os terapêuticos bem e o bom da verdade.  Por exemplo: é feio, grosseiro, tosco, até mesmo delituoso xingar a genitora de uma autoridade constituída. Mas como seria bom poder fazê-lo sem ser julgado!

O chato de tudo – depois de tanto tempo viajando no trem da existência – está, acredito, na falta de imaginação, de criatividade do sem número de gerações que se repetem. Renovam-se apenas os atores. O enredo continua o mesmo. Ocorre, porém, que pouco percebemos ser, a civilização, fonte tanto do bem como do mal. Pois, civilizar é, também, educar. E educar é conduzir. Logo, sempre haverá condutores e conduzidos. Eis, então, que está posto o eterno conflito. Ora, quem e como são os condutores do Brasil, de Piracicaba?
E os conduzidos, em que nos tornamos?

Eis a questão. Mais uma.

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