“In Extremis” (232) – Ter e sentir invejinha

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“Um dos desejos que este escrevinhador ainda nutre é o de, um dia, ver as pessoas sentarem-se em sarjetas conversando entre si.” (imagem: pesquisa Google / facebook.com/MeusVelhosTempos/photos/saudade-da-%C3%A9poca-em-que-juntava-a-turma-na-rua-e-todos-iam-para-a-cal%C3%A7ada-conver/)

Um dos desejos que este escrevinhador ainda nutre é o de, um dia, ver as pessoas sentarem-se em sarjetas conversando entre si. As que se conhecem ou não. Veríamos, certamente, como somos todos pelo menos parecidos. Falar em sermos iguais é bobagem. Parecidos, semelhantes, essa, talvez, seja a realidade.

Penso em sentimentos. E em desejos, ambições, quereres e querenças. São tantos acometendo os humanos que se criaram leis, normas, regras, pecados na tentativa de, pelo menos, harmonizar a coexistência. De uma certa forma, é o esforço para também domesticar o homem. Ora, e se cada um fizesse o que seus desejos o animam? Obviamente, a bagunça seria ainda maior do que vivenciamos nessa era de mercado sem regulamentação e de individualismos exacerbados.

Entristeço-me diante de generalidades. Daquele, como se fôssemos batatas, colocar tudo no mesmo saco. Ou dos extremismos injustificáveis. Por que, pois, admitir que a inveja seja apenas aquele sentimento ruim diante da alegria, da felicidade alheias? Na alta literatura, o invejoso é um ínvido. Logo, a inveja também pode ser invídia. Reconhecendo, pois, ter invejinhas incríveis, prefiro considerar-me um homem com diversas invidiazinhas. Pois a palavra não está na lista dos pecados. Isso me tranquiliza. E posso cultivar mais confortavelmente as invídias que me incomodam.

Ai, que inveja permanente de Pablo Neruda! Aquele título de seu livro – “Confesso que vivi” – como desejo, ainda agora, ter sido coisa minha. E as músicas de Chico Buarque? E como não sentir a tal invídia com a “Gabriela”, de Jorge Amado? Não me constranjo de dizer tratar-se de invejinha de admiração. E o Tarzan? Ah! como eu quis ser o Tarzan. De quantos galhos de árvores saltei, ainda que arrebentando o nariz, braço, perna? E quando descobri Fernando Pessoa? Que vergonha de meu jeito de escrever e de, também, ver e enxergar o mundo! E Debussy? Por que, naquela suíte imortal, ele compôs, antes de mim, o “Clair de Lune”?

Preciso, pois, reconhecer – para não me sentir pessoa má – esse meu estado de invejoso, de irremediável invidioso. Lembro-me do misto de raiva e de inveja quando o arrogante e pretensioso Frank Sinatra conquistou a Ava Gardner. Ela – o “mais belo animal do mundo”, como proclamara Jean Cocteau – jamais poderia ter aceitado conviver com Sinatra. Deveria ter-me esperado, pois fora apenas aos meus 10 anos de idade que me apaixonara. E eu teria sido até mesmo um servo dela apenas para ficar contemplando-lhe a beleza. Apenas isso. Só.

E, refletindo ainda mais ao correr do texto, dou-me conta ainda mais de minhas invejazinhas. Pois até a torcida do Palmeiras, invejo-a, diante da nossa saga corintiana. E de quem mora, de quem vive em Canoa Quebrada? Aquele mar, o céu, as falésias, a quietude sem fim como se inventados para o descanso dos deuses… Jamais esquecerei quando – absolutamente só, o todo de mim engolido por aquele deslumbramento – conheci o êxtase. Fui-me despindo, hipnotizado por uma força inexplicável e, então, vi-me como na aurora do mundo. Entendi, então, com que o Criador presenteara a humanidade: o Paraíso já nos fora dado.

Tenho inveja do vento que perpassa montes, planícies, que espia rios e mares. De passarinhos, avezinhas dos céus, “que não tecem e nem fiam, não armazenam e nem colhem e, no entanto, o Pai dos céus os alimenta”. E dos lírios dos campos que “nem Salomão, com sua glória, se vestiu como um deles.”

São, porém, apenas invejazinhas. Tolices humanas. Pois rendo graças pelo privilégio, pela aventura, pelo mistério de ter nascido.

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