“In Extremis” (187) – A Ressurreição   

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“… um novo tempo que chega para a reconciliação, nesse darmo-nos as mãos e caminharmos juntos.” (imagem: PIRO, por Pixabay)

A síntese da maravilhosa explosão da alma brasileira no dia 30 de outubro está nas sofridas – mas vivificantes – palavras dessa singular pessoa humana de nome Lula. “Quiseram enterrar-me em vida. Mas eu ressuscitei.” Verdadeiras, mas incompletas. Pois não foi Lula quem ressuscitou, retornando das sombras onde quiseram matá-lo. Aconteceu a ressurreição do Brasil, a ressurreição dessa nossa gente tão sofrida e espezinhada. E peço licença para incluir-me nesse mistério que a todos nos envolve: eu, este idoso escrevinhador, também ressuscitei. Pois eu me considerava morto em minhas esperanças, abatido em minhas crenças, vítima da angústia e da ansiedade.

Hemos que conjugar o verbo do milagre: “Eu ressuscitei, tu ressuscitaste, ele ressuscitou, nós ressuscitamos.“ Há vida – e vida abundante – neste país que o mundo reconhece como a terra onde corre o leite e o mel. Doçuras, porém, sequestradas secularmente por lideranças e grupos que, em vez de saborear e dividir, empanturram-se. Aconteceu um milagre, sim. Milagre de amor, de esperança, de alegria retomada, de uma força vital que escapou do suor de corpos sofridos, muitos deles famintos, suor da alma de gente humilde, de corações que latejaram não mais de medo, mas de redescoberta da vida.

Por Deus! Calem-se os insensíveis, os maus, os odientos, os ressentidos. Calem-se os sádicos e derretam-se os corações de pedra. Pois não há mais como deixar de reconhecer – e darmos graças – a bênção de, no Brasil, haver um homem humilde – nascido em terra esturricada e infértil – que é, na verdade, um líder generoso e imantador. O mundo se espanta com ele, reconhecendo-lhe as virtudes e a imensidão de sua humanidade. Lideranças de todos os países – em nome de seus povos – externam, efusivamente, a sua admiração. E fazem – desse brasileiro singular – um anunciador de compaixão, num momento da História em que o horror se espalha em rangeres de dentes e soluços de desespero.

Ora, dirá algum tolo dos muitos que se envenenam de seus próprios ódios e de sua ignorância proposital: “O escrevinhador está fascinado por um encantador de serpentes”. Tolos, tolos… O escrevinhador está tomado de alegria e reanimado de fé diante de sua própria ressurreição. Consciente de minhas cerimônias de adeus, sentia-me abatido, desconsolado diante de um Brasil ferido por baionetas e pisoteado por coturnos. Sentia-me impotente ao ver a fome chegar à terra onde “em se plantando tudo dá”. Jamais compreendi que tanto se exalte o agronegócio enquanto multidões clamam por um naco de pão, disputando restos de ossos em lixeiras. Odiei – sim, esse o verbo: odiar – o escândalo, o desprezo de um militar na presidência ficar divertindo-se com motocicletas e jet-skys, sem ver crianças, mulheres, homens esquálidos nas sarjetas do país.

A ressurreição de Lula é a ressurreição do Brasil, de todos nós, os que ainda têm coração de carne e angústia espiritual. O que vimos – entre lágrimas e sorrisos – no dia 30 de outubro foi um sinal profético da vida, como que uma convocação para entender melhor a chegada do Dia de Finados. Eles, os mortos, mortos não estão. Permanecem à espera. Assistem ao teatro dos vivos na esperança silenciosa de que tenhamos aprendido com a História, com o sofrimento, com as farsas.

Ressurreição é boa nova. Rejubilemo-nos, pois. E saibamos viver um novo tempo que chega para a reconciliação, nesse darmo-nos as mãos e caminharmos juntos. O tempo das armas, dos fuzis e dos ódios terminou. A nova vida depende, agora, apenas de cada um de nós. Lula iluminou o caminho.

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