“In Extremis” (82) – “A praça é do povo como o céu é do condor”

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(imagem de Cristina Adán, por Pixabay)

Confesso pouco saber a quantas anda o ensino no Brasil. Sobre educação, sei ser, esta, inexistente. Sou, porém, daquelas que já podem ser consideradas “priscas eras” em que educação e ensino complementavam-se. Ensinava-se para educar. Educava-se para ensinar. Há um que outro militar no atual governo que – se provocado – poderá contar o que os militares daquel´outros tempos fizeram com o ensino e a educação neste país. Se, antes, buscava-se preparar e formar o homem o mais possível na sua integralidade, passou-se a criar apenas mão-de-obra. Para se ver que, realmente, a história se repete. Como farsa.

Quando vejo o quanto nossas crianças são tratadas como idiotas, débeis mentais, penso no fulgor dos 1950, tão mal saídos da Grande Guerra. Aos 13 anos – no mês de junho completaria 14 – ingressei no Curso Colegial, o Científico. Havia também os cursos Normal, Clássico e os de formação técnica. Fui levado ao Científico por um meu terrível equívoco de adolescência: eu queria ser médico como o meu primo Alarico Coury e, em especial, para ser escritor como A.J. Cronin ou Conan Doyle, também médicos. Meu raciocínio: médico entende de humanidade como poucos; logo, devo ser médico para ser um bom escritor. Esqueci-me de um detalhe: eu desmaiava se visse sangue.

Sei, hoje, que, para mim, o razoável teria sido ingressar no Clássico. Pois, enquanto o Científico enfatizava as Ciências Naturais e Exatas, o Clássico ministrava as Ciências Humanas e a área de Letras, incluindo línguas.  Mas que universalidade tinha, também, o Curso Científico! Dos 13/14 aos 17 anos, fui apresentado à matemática, à física, à química, à biologia, à História e à Geografia (do Brasil e Geral); ao francês, espanhol, inglês e latim. À música, ao desenho, aos esportes, à religião, a aulas de civilidade. E à filosofia! Na adolescência, a escola começava a ensinar-nos a pensar.

Comecei a nisso refletir, tão logo me surgiu o título para estes rabiscos: “A praça é do povo como o céu é do condor.”  Perguntei-me: se, por acaso, algum jovem lê-los, será que Castro Alves, autor do célebre poema, já lhe fora  apresentado? Será que o jovem colegial teria rudimentos de Aristóteles, Platão? Ou ter-se-ia inebriado ouvindo Beethoven, Mozart, Chopin, Bach, Brahms? Estudantes do curso médio atual frequentariam bares boêmios para discutir as teorias de Sartre, de Simone de Beauvoir, de Freud, de Marx, de Jung?  Em nossa adolescência, éramos lançados às primeiras ondas desse oceano sem fim da cultura, do conhecimento. E, também, desafiados e estimulados à discussão, ao debate.

Seja o que for, seja o que é – socorri-me de Castro Alves, o inigualável gênio que se foi embora apenas com 25 anos. Recordo o que dele falaram os estudiosos: “o maior poeta brasileiro, lírico e épico”, “um talento vulcânico”.  Ainda no século 19, ele convocou o povo a ir às praças, que são das gentes como o céu é do condor. Ir, protestar, gritar contra a injustiça, enfrentar os vendilhões do templo, insubordinar-se contra ameaças à liberdade, contra farsas governamentais, contra a violação de direitos.

Minha geração ouviu Castro Alves. Nós fomos às praças, às ruas desde quando Getúlio Vargas se suicidou. Fomos às ruas pelo “petróleo é nosso”. E outros até foram às ruas para defender e implantar a ditadura militar. Uma juventude – que não sai às ruas para protestar – envelheceu e esclerosou-se antes mesmo de dar frutos.

O poeta vulcânico concluiu seu poema conclamando à indignação:

Lançai um protesto, ó povo
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações.

E daí?

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