“In Extremis” (182) – Cansou, não?

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“Vivemos em cidades. E é nelas que precisamos buscar soluções, respostas, tentativas para reorganizar a vida em comum.” (imagem de Clker-Free-Vector-Images / Pixabay)

Há tanto e tão longo tempo, exerço a faina de escrever que eu próprio já não entendo o que ainda faço por aqui. Lá se vão quase 70, dos meus mais de 80 anos. Muitas vezes, penso em Sócrates e no diabo. E entro em conflito com o que eles dizem. Pois Sócrates insiste: “Tudo o que sei é que nada sei.”  E o diabo se vangloria: “Tudo o que eu sei não é por ser diabo, mas é por ser velho.”

É de obviedade cristalina que “nada sei” a respeito do ininteligível, do mistério, do divino. Mas, de tanto já ter vivido, sei, sim, de algumas coisas. E eu seria um idiota completo se algo não tivesse aprendido. No entanto, conheço os limites do que pude aprender. E do que, ainda, aprendo. Na realidade, tudo o que fazemos é tentar sobreviver diante da estupidez humana ao longo dos milênios. E, agora, começo a entender: viver é mais fácil e simples do que sobreviver.

A nossa estultícia chegou ao absurdo. E este, por sua própria natureza, é contraditório. Ou não é contraditório “morrer de trabalhar” para poder apenas viver? Ou “morrer pelos filhos” quando eles apenas desejam que vivamos para eles? Os cruéis sistemas econômicos – os liberais sem regras ou os tirânicos – jamais cuidaram do ser humano. O insaciável objetivo é o do lucro, algo tão hediondo que, atualmente, apenas cinco pessoas detém um terço das riquezas do mundo. E esta é, no ocidente, a sociedade que se diz cristã.

O Brasil levará décadas, desde quando realmente começar, para sair do caos a que foi lançado. Nunca mais alcançaremos as nações desenvolvidas, pois fomos incapazes de acompanhar o admirável desenvolvimento tecnológico. O que será de nossa infância, da juventude, após a proposital destruição da educação e do ensino brasileiros? Quando os milhões de jovens – filhos dos milhões de desempregados – poderão competir na luta pela vida se lhes foi sonegado o acesso às novas tecnologias? Para sobreviverem, o que lhes restará senão o caminho da desesperada busca pela sobrevivência a qualquer preço, incluindo o dos delitos?

Brincamos de democracia, brincamos com a liberdade. Aventureiros, incompetentes e, até mesmo, débeis mentais chegaram ao poder levados pela irresponsabilidade coletiva diante da sacralidade do voto. Militares da reserva, em vez de ficarem com seus pijamas e suas nostalgias, insistem em manter um poder tirânico aliando-se, miseravelmente, a milicianos. Irresponsáveis oficializaram o armamento da população com falsas, mentirosas e pérfidas alegações: armar o povo para se defender. Do quê? Arma é para ataque; revólveres, fuzis são para matar, instrumentos de guerra, de conflito, de combate.

Não posso – e, por dever, sei que não devo – alhear-me diante desse caos a que foi levado nosso país, alcançando também Piracicaba. Nem mesmo a idade octogenária servir-me-ia de justificativa. Sei, também, da inutilidade da experiência pessoal para a vida alheia. É como se sofrêssemos, todos, de uma ignorância genética. Desprezamos lições da história, zombamos das lições dos antigos, como crianças que teimam em provar sejam capazes de vencer o invencível. O Brasil vive a mais ameaçadora tragédia política desde a década de 1950. Nem as vésperas do golpe militar de 1964 foram tão ameaçadoras.

Ninguém, no entanto, reside, tem seu lar vagando pelo planeta. Vivemos em cidades. E é nelas que precisamos buscar soluções, respostas, tentativas para reorganizar a vida em comum. Isso que acontece no Brasil nestes últimos anos é insuportável. Não dá mais para suportar e será o colapso final se repetir-se. Não dá mais. Já cansou, né?

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1 comentário

  1. Juliana Barbosa Previtalli em 01/10/2022 às 10:17

    O ser humano é essencialmente social. Precisamos, devemos viver em sociedade. Sempre foi assim, desde há 350 mil anos quando começou a odisséia humana na Terra. Necessitamos do outro para sobreviver. Enquanto não entendermos que se o outro aprender, se o outro se aprimorar, se o outro for bem sucedido, toda a sociedade ganhará, continuaremos, egoístas, estagnados no país subdesenvolvido que ajudamos a criar.

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