Memórias da Festa do Divino

A folia do Divino, em Piracicaba, data de 1826.

Um grupo composto por um violeiro-cantuário, caixeiro, adufista, tocador de triângulo, bandereiro e esmoler, percorria a zona urbana e rural recebendo moedas e donativos em espécies.

Miguel Archanjo Benício da Assumpção Dutra, o Miguelzinho, pintou um bando precatório, em documento exposto atualmente em Itu, S.P.

Da folia do Divino, o dinheiro recolhido ia para a Igreja Matriz, e as prendas eram destinadas ao leilão.

Vila Nova da Constituição (Piracicaba) vivia de pequenas culturas. A indústria manufatureira básica era a cerâmica. Daí muitas olarias existentes à beira-rio. A extração da argila criou lagoas originárias das enchentes, na estação das águas.

Surgiram disto, as endemias rurais. Em 1926 Viégas Muniz teve a idéia de promover o encontro das Bandeiras no rio.

Os festeiros da Igreja, ou Comissão da Igreja, seus auxiliares, o alferes da Bandeira e os mordomos não mais recebiam a Folia do Divino em terra, mas na água, no primeiro cortejo no leito do rio.

Essa organização de pessoal foi até 1915, tendo como festeiros, Manuel Antunes Barreira e Maria Rita Francelli e como auxiliar, Joaquim Maria de Souza. O encontro deu-se a 22 de maio, num sábado.

O encontro no rio, além do visual, trouxe novos elementos: do largo da Igreja Matriz, partiam os arcos de bambu, cheios de bandeirolas, em ambos os lados dos passeios, prolongando-se até o Pouso dos Irmãos do Rio-Abaixo, na altura da ex-olaria Elias Cecílio.

Imagem do Livro: A Festa do Divino Espírito Santo de Piracicaba. IPPLAP, 2012.

Imagem do Livro: A Festa do Divino Espírito Santo de Piracicaba. IPPLAP, 2012.

Permitiu o Encontro, que a procissão do Divino, ou Comissão da Igreja ou ainda Império do Divino – no caso, os festeiros, alferes e mordomos – o padre, anjos premiados com saquitéis de doces e balas – penetrassem no canoão, ou barcaça, ou ainda batelão.

Os canoões eram os do tipo dos monçoeiros, de uma peça só, compridos, escavados ao braseiro e os seus interiores melhorados com enxó. Não tinham proas, nem rés. Tudo embicado.

Sobre esse, montavam-se tablados, com cercados, ao centro o mastro e ao alto a pomba branca do Divino, descendo-se os cordéis com bandeirolas. A Antonia de Pádua e a Esmeralda Moreira foram responsáveis por sua confecção, durante 40 anos.

Os bambus deram os varejões, preparados por João Bueno, que era o fogueteiro e Irmão do divino. Já falecido, foi o responsável até 1971, por estes trabalhos.

Os rojões eram confeccionados por Juca Fogueteiro. Depois pela família Ballestero, do Pau Queimado – bairro de Piracicaba – e, agora toda a fogueteira é industrializada.

Foi no começo deste século que se incorporou a Corporação Musical ao batelão, retirada em 1972, e posta em lugar fixo, juntamente com o público.

Com a barcaça, os Irmãos do Divino ou do Rio-Acima alteraram a sua túnica e a chéchia. Eram azuis e a chéchia tinha a gola e os frisos dos punhos de cor branca.

Os Irmãos do Pouso ou do Rio-Abaixo, tudo em vermelho sobre o branco.

Nos primeiros Encontros apresentavam-se descalços. Dessa fase restam os remos de palas brancas, tendo um desenho da pomba em vermelho. Os cabos, também em cor vermelha.

Na véspera da septuagésima da Pacoela, sempre um sábado, dava-se o Encontro das Bandeiras do Divino, a dos irmãos precatores, com a da Comissão da Igreja. É claro, com uma tremenda foguetaria em terra.

Com a transposição para o leito do rio, cuja motivação principal foi a promessa de diminuir as doenças palustres, alguns irmãos do Rio-Abaixo, logo após a nova Comissão da Igreja ser nomeada, mais a Folia do Divino, desciam o rio Piracicaba aportando em Corumbataí, distrito de Santa Terezinha; Artemis, ex-porto João Alfredo; Barra Bonita, no rio Tietê e, às vezes à extinta Itapura.

Regressavam por ocasião do Novo Encontro, anunciando-se através de tiros de trabucos, cujos estampidos se ouviam à distância considerável.

A população maciça, a Comissão da Igreja, os Irmãos de Cima sabiam exatamente do dia, por ser móvel; o último sábado de maio, ou o primeiro ou segundo de junho.

Dependendo do volume d’água, em um ou outro ano, o Encontro deu-se em julho. Assim, o 7 de julho de 1944 deu-se em pleno inverno. Os festeiros foram Ettore Braz Capranico e senhora.

O cururu foi introduzido na Festa do divino por Mário Lordello, que em 26 de março e 16 de dezembro de 1933, organizou-se no pavilhão de patinação que a cidade mantinha na época, denominada “Meu Rinque”.

Em 1972, numa sexta-feira, o leilão no Largos dos Pescadores, ex-do Porto, foi feito no salão de festas do Clube de Regatas de Piracicaba; e no domingo daquele ano, o tempo foi reservado para festanças; Folia do Divino, Cateretê, Cana-Verde, Samba-Desaño, Samba-Lenço, Samba-roda, Congada, Dança dos Tangarás, Batuque, Arrasta-pé e Modas de Viola, organizada pelo Centro de Folclore de Piracicaba e pelo Grupo Folclórico do Tote (Antonio de Pádua), um dos Irmãos de Cima por mais de 35 anos.

A Comissão da igreja perdeu o nome em 1929, passando a ser chamada de Festeiros do Divino, até hoje. Coube a Luis Alves Filho, Lulu Alves e à professora Waldomira Silveira Bello, num sábado, 8 de junho de 1929, dar início a esta nova fase.

Nos anos 30, os frisos azuis não são mais vistos nas vestimentas, mas tão somente os vermelhos. João Pense (João Pica-pau), Thomaz Pense, Sebastião Barboza (Sebastião Negrinho) e João Bueno varejoavam o batelão com o nome, agora, de Marinheiros do Divino, mesmo sendo Irmãos de Cima.

Joaquim José Ignácio (Joaquim Corre-Corre) cumpriu 57 anos de ex-votos como Irmão do Rio-Abaixo e remeiro. Depois, com a morte de Júlio Fischer, bandereiro ou Alferes da Bandeira, foi substituída a madeira por cabo oco cromado.

Com o Bispo Diocesano D. Ernesto de Paula, a Festa do Divino foi levada para o mês de outubro, durante vários anos, depois retornou para setembro. Foi D. Aniger Francisco Maria Melillo, o II Bispo Diocesano, quem trouxe a festa para a data exata.

Porém, nos dias 16 e 17 de maio de 1964, sábado e domingo do Divino, os jornais da terra publicavam as Pastorais, coincidentemente nos dias 16 e 17 – a última com alterações – transferindo toda a festa do Divino para a Igreja, no caso, a Catedral de Santo Antonio, eliminando-se assim, todos os resíduos profanos.

Estabelecida a Irmandade do Divino Espírito Santo, em 1972, começaram os preparativos para a concretização das festança, o que ocorreu em 14, 15 e 16 de outubro, com festeiros escolhidos no próprio bairro do Porto, sem quaisquer incômodos às autoridades religiosas.

Como se não contava com padre, este foi substituído pelo capelão-leigo Venâncio Teixeira da Cruz, da Irmandade do Divino de Anhembi, que além de violeiro-canturião, é puxador de terço no levantamento do mastro do Divino, encimado pela pomba vermelha em fundo branco…

Junto à Casa do Povoador há um cruzeiro. No domingo à tarde ali reúnem-se todos os Irmãos, os novos festeiros, que ao final do terço, recebem a Bandeira do Divino e mais cartuchos de flores, estes reciprocamente: os novos para os que se despedem e vice-versa.

Forma-se a Procissão do Divino, laica, em longas filas de marinheiros e marinheiras, os festeiros, a Irmandade, que conduzem os escolhidos à sua residência, ao som da Banda União Operária.

Na noite de sábado há um cururu e desafio (não a cana-verde, nem fandango) que entram pela madrugada.

1 comentário

  1. R Cordel em 27/02/2013 às 16:34

    Fui Marinheiro do Divino por vários anos. Boas recordações!

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