A HISTÓRIA QUE EU SEI (LXXV)

O Projeto Cantareira
A morte do rio Piracicaba começou a acontecer no governo Abreu Sodré, justamente um governo em que Piracicaba tinha, na Assembléia Legislativa, dois deputados que eram amigos pessoais do governador de São Paulo. Essa amizade de nada adiantou, pois Abreu Sodré não deu, a Piracicaba, o apoio e a consideração que o município merecia. Em seu governo, instalou-se, de vez, o que se tomou conhecido como Projeto Cantareira, que visava o abastecimento de água da Grande São Paulo.

Na realidade, aquele projeto tinha sido elaborado desde o governo de Carvalho Pinto, prosseguindo-se o que havia sido definido nos governos de Adhemar de Barros e de Jânio Quadros. Quem passasse pelas pontes e obras de engenharia erguidas ao longo da construção da Rodovia Pedro II percebia que, sobre o rio Atibaia, as obras eram imensas, sobre grandes depressões de terra, sem perceber, no entanto, que estavam sendo criadas para um futuro represamento do rio. E era sabido que o rio Piracicaba seria grandemente prejudicado se houvesse qualquer intervenção em seus formadores, o Atibaia, o Jaguari, o Camanducaia. Quando se levou a efeito o Projeto Cantareira, os piracicabanos começaram a fazer denúncias, a mobilizarem-se, a exigir de seus políticos – especialmente Domingos Aldrovandi e o já prefeito Salgot Castillon – que se impedisse o Governo do Estado de trazer tal prejuízo para a Bacia do Rio Piracicaba.

O deputado Domingos José Aldrovandi e o prefeito Salgot Castillon levaram, ao Governador Abreu Sodré, as inquietações piracicabanas e o Governador fez questão de vir a Piracicaba para explicar, às forças vivas da comunidade – era assim que se chamavam as lideranças locais: “forças vivas” – que a Bacia do Rio Piracicaba não seria prejudicada. O Governador enviara um dos seus secretários, Eduardo Yassuda, para dar explicações aos piracicabanos, mas, liderando as “forças vivas”, estava o prof.

Felisberto Pinto Monteiro – professor da ESALQ, que também seria Presidente da Telefônica local – que tinha desinteligências e desentendimentos anteriores com Yassuda. O assunto “rio Piracicaba” passava a ser, além de um grave problema político social, também uma questão de divergências pessoais.

O Governador Abreu Sodré mostrou todo o projeto, todos os planos, onde se previam construções de eclusas reguladoras de forma que haveria controles para se manter o nível médio do rio, ora em tempo das águas, ora em tempos de seca. Para reforçar a tese, Abreu Sodré dava exemplos do rio Sena, Reno, de quase todos os grandes rios da Europa, controlados pelo sistema de eclusas. E firmava, diante de Domingos Aldrovandi e de Salgot Castillon, o compromisso solene de que o “Projeto Cantareira” não haveria, em hipótese alguma, de prejudicar o Rio Piracicaba e toda a bacia da região.

Foi aí que o Rio Piracicaba começou a morrer. As promessas do Governador Roberto de Abreu Sodré não foram cumpridas por ele próprio, nem assumidas pelos governadores que o sucederam. Na verdade, Piracicaba nada deveu ao Governador Abreu Sodré, apesar de sua propalada amizade com Domingos José Aldrovandi e Salgot Castillon. Era um homem que se ligava à “linha dura” do Exército ou que, então, a ela se submetia. Foi em seu governo que se criou a famigerada OBAN (Operação Bandeirantes), que tanta violência patrocinou em São Paulo junto aos opositores do AI5 e do governo militar.

Uma das poucas vindas de Abreu Sodré a Piracicaba, como governador, foi num episódio melancólico. Os formandos da E.S.A. “Luiz de Queiroz” estavam levantando dinheiro para uma viagem ao Exterior. Na república “Cabana” onde morava um jovem estudante, João Herrmann Neto, os universitários ofereceram um jantar para o Governador, maneira de agradá-lo para obter verbas. João Herrmann Neto era presidente do CALQ e suas posições políticas eram de direita. O Governador Sodré jantou com eles, fez-se acompanhar de João Herrmann Neto pela cidade e, enquanto isso, na sede do CALQ o professorado piracicabano se reunia, em greve, manifestando-se contra o governador. Pelos braços de Sodré, Piracicaba via, pela primeira vez, o nome de João Herrmann Neto vinculado à política.

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