O imortal Parafuso. Por ele mesmo. (2-final)

A seguir, publicamos parte final da entrevista com Parafuso, concedida a Renan Cantarelli – publicada originalmente em 1957, na Revista Mirante. Cantador de Cururu, ele foi um dos artistas mais populares de Piracicaba nos anos 1950 e 60.Parafuso _ foto 2

Canta como amador ou profissional?

Um temo fui amadô,

preste povo vou contá,

mas hoje peguei mais valô

e sou profissioná, poque não pode mai sê amadô

quem canta pra ganhá.

 

A que atribui o seu grande sucesso atual como cantador?

Um tempo eu cantava firme,

os cantadô eram mais apagado.

Comecei cum brincadera,

a coisa ficô mais animado,

porque eu ponho fogo na bodega

que o chão teja moiado.

Também modifiquei minha toada

cantando com treis dobrado.

E faço andá quem tá de pé

e levantá quem tá deitado.

O Parafuso na estação,

quando eu dô o meu balançado,

eu já faço o povo vibrá,

antes de cantá trovado.

 

Qual uma passagem interessante de sua vida?

Um dia de tardezinha,

tive muito aborrecido,

então eu fiz uma poesia,

pra ficá mais distraído.

Vim eu e Pedro Chiquito

um dia de Laranjá

cantá cururu em Piracicaba,

que já tinha cantado por lá.

Por aqui cheguemo tarde,

o festeiro veio encontrá,

si nóis chegasse mais cedo

ele dava de jantá.

Quando ele falou assim,

a barriga do Chiquito começô a roncá

e, na rua Governadô,

nóis peguemo e entremo num bar.

Era um bar de japoneis

tinha peixe e não tinha pão,

Chiquito entrô no bar,

batendo duro no balcão.

O moço contou o caso,

que tinha peixe e não tinha pão,

deu uma cesta pra Chiquito,

vá comprá uma porção.

Chiquito sai correndo

que nem tinha cumparação,

e, em prazo de dois minutos,

correu quinze quarteirão.

E entrô numa farmácia

perguntou si tinha pão.

O farmacêutico cum dó dele,

lhe ensinou a padaria.

Chiquito voltou pra trais

e até mudô a fisionomia.

E quando chegô no bar,

patricio chegô cansado,

eu tava cumendo peixe,

num há de vê que fiquei engasgado?

Num falei nada a ninguén,

pra num falá que sô esganado

mai imaginava na hora da cantoria,

quanto mais eu forcejava,

mais a garganta doía.

Nisso surge uma briga

no meio dos curuero:

o sr.Luiz Gonzaga brigou com o Chico Barbero,

mas não aconteceu nada,

o povo apartou ligero.

Chiquito assustou muito

quando viu aquele tropé,

virô e falô pra mim, vamo chamá no pé?

E saiu correndo,

sem saber o que é,

caiu com o corpo inteiro

no colo de uma muié.

 

Quais são os seus maiores adversários?

Os adversário mais duro

que encontrei pra cantá:

Zico Moreira de Sorocaba,

portuguêis duro de amá.

E o velho João David,

que nasceu em Tatuí

e foi criado em Laranjá.

E também Pedro Chiquito,

patrício que sabe cantá

tudo eles cantam bem

e não são de facilitá.

Mas quando encontram co pretinho,

tem que pisá devagá,

porque eu canto divertindo o povo

e faço o povo gostá.

Eu tando junto co povo,

Eu faço cantadô disnorteá.

Se a cobra não gosta de fumo,

eu faço a cobra fumá.

E terminando estes meu verso,

eu dô um viva em gerá

a minha grande Piracicaba,

onde os parafusinho tá.

Adeus, adeus meu rico povo

e… Nem que tussa num faiz má!

 

Parafuso, Zico Moreira, João David e Pedro Chiquito já estão falecidos, tendo levado, com eles, uma arte que está se acabando, o cururu paulista, cuja história se deu em Piracicaba, Capivari, Tatuí, Itapetininga. O último herdeiro desta geração de grandes cantadores de cururu – a espantosa arte de versejar no repente – é Nhô Serra, ainda levando a grande arte ao povo.

Para conhecer o texto completo, acesse a TAG Parafuso.

[Este texto foi publicado em “A Província”, edição impressa de 20/dezembro/1994. Foi uma reprodução, no entanto, da entrevista publicada, originalmente, na Revista Mirante (edição no 7, de setembro/1957) – concedida a Renan Cantarelli]

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