JIC Mendes, ilustrador (11)
O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.
29 – A partilha da Terra Santa
Sábado, 6 de dezembro de 1947
Justiça de Salomão
SEGUNDO JIC, esta é sua obra-prima como chargista. A boa charge, ele explica, é aquela que consegue transmitir a mensagem quase que exclusivamente pelo desenho, com o mínimo de intervenção do texto. Aqui o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, que presidiu a II Assembleia Geral da ONU, pinta no chão pedregoso do deserto a linha que separaria árabes de judeus após a partição da Palestina decidida em 29 de novembro de 1947. Na edição da véspera, “A Noite” havia noticiado o regresso ao Brasil de Aranha, que “acaba de deixar a presidência da ONU” tendo cumprido sua missão, sem poder saber que a tal linha geraria sangrentos conflitos até hoje não resolvidos.
Esta charge foi preparada, senão com muita antecedência, pelo menos com muita intensidade de pensamento. JIC explicou que o jornal tinha noticiado a criação do Estado de Israel, e ele tinha certeza que lhe pediriam para ilustrar esse fato memorável com sua charge da primeira página. O resultado foi mesmo genial.
30 – Nem tudo é como contam
Quinta-feira, 11 de dezembro de 1947
– Passamos uma tarde divertidíssima hoje no Parque!!!
NOSSO VELHO conhecido parece ter feito a barba para levar a esposa ao parque de diversões – com resultados, porém, tão inesperados que tiveram vergonha de contar. As caras de enjoo são fenomenais! A graça do desenho é reforçada pelo recurso técnico habilidoso do balão, que justapõe a desventura vivida e a anedota narrada.
O casal poderia ter escolhido outras opções de divertimento, como uma apresentação teatral, com o celebrado Procópio Ferreira ou uma comédia musical com as estrelas Dercy Gonçalves e Oscarito. Ou uma visita ao MASP, cuja inauguração mereceu uma nota discreta de “A Noite” em 2 de outubro de 1947 (o museu seria vizinho da redação do diário na Rua Sete de Abril até a inauguração do seu prédio atual na Avenida Paulista em 1968). Ou quem sabe ter ido à casa de um vizinho conhecer o aparelho cuja chegada o jornal acabava de anunciar: a televisão (mas a primeira emissora brasileira, a TV Tupi, só começaria a transmitir em 18 de setembro de 1950).
Contudo, o lazer mais prestigiado era o cinema. A penúltima página de “A Noite” era dedicada diariamente à programação das mais de 70 salas de projeção da cidade, entre elas os grandes palácios cinematográficos como o Olido, o Ipiranga, o Marabá, o Marrocos, o Bandeirantes e tantos outros, onde brilhavam estrelas internacionais como Douglas Fairbanks, Marlene Dietrich, Frank Sinatra, Ava Gardner, Orson Welles, Rita Hayworth, Humphrey Bogart e Charlie Chaplin, e nacionais como Carmen Miranda e Grande Otelo.
31 – O jornal do vizinho é sempre mais interessante!
Sábado, 13 de dezembro de 1947
UMA OBRA-PRIMA de observação social e de composição do desenho. São nada menos que sete personagens principais, cada qual num plano do desenho e olhando para uma direção diferente. É notável o efeito de profundidade, a maneira como os personagens preenchem o espaço. Observem novamente a diversidade das estampas: um terno listado, outro xadrez, um vestido de bolinhas, uma saia em losangos, uma manga florida na borda direita da imagem, as meias príncipe-de-gales do passageiro sentado cujo rosto está oculto. O desenho preto-e-branco ganha vida com uma variedade incrível de sombreados e texturas.
A assinatura do JIC está dentro do jornal em primeiro plano. Mas, curiosamente, desta vez ninguém está lendo “A Noite”!
(continua)
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