JIC Mendes, ilustrador (5)

O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

 11 – O Tubarãomóvel

Sábado, 4 de outubro de 1947

JIC Mendes 11

Os novos automóveis sofrerão modificações radicais!!!

EM 1947, os efeitos da II Guerra Mundial ainda se faziam sentir com muita força em várias frentes. Só sob o aspecto econômico, o jornal “A Noite” noticiou diversas vezes a falta de produtos de primeira necessidade, o racionamento de víveres, água, energia e combustíveis, a alta dos preços, o alastramento do mercado negro (até para alimentos como pão, carne, farinha e açúcar). Uma empresa chegava até a usar seu amplo espaço publicitário no jornal para dar às donas-de-casa conselhos de como economizar sabão, para comprar o menos possível o produto que ela mesma vendia!

Obviamente, o preço dos bens de consumo sofisticados como os automóveis, que eram todos importados, era proibitivo, acessível apenas aos “tubarões” – ricaços com fortunas de origem lícita ou nem tanto. Daí as modificações necessárias para que estes pudessem desfilar ao volante com suas presas amedrontadas. Se a interpretação visual, que toma a expressão ao pé da letra, pode precisar hoje de um esclarecimento, a graça do desenho não foi diluída.

 12 – O janota ensopado

Terça-feira, 7 de outubro de 1947

JIC Mendes 12

“Acontecem coisas assim no planalto…”

NO PLANALTO paulista, famoso por ser a terra da garoa, é arriscado andar muito perto do meio-fio. A falta de consideração dos motoristas não melhora as coisas para os pedestres, como aprendeu a duras penas este garboso transeunte. É interessante notar que, nessa época, as ruas ainda eram calçadas com paralelepípedo e os homens só saíam de terno e chapéu.

Depois dos dois quadros que compõem a cena dos ventiladores (16/09/47), esta historieta é a segunda a usar a técnica dos quadrinhos, que será expandida para quatro quadros nas “Pequenas delícias da vida de um paulistano” (11/10/47) e empregada ainda em dois quadros para comentar a falta d’água nas Perdizes (20/12/47).

Entre as tiras em quadrinhos publicadas nas páginas centrais de “A Noite” no mesmo período estavam as trapalhadas do Pacífico (com seus bigodes estilo morsa), o mundo mágico do garoto Miki, de Robert Kay, e os namoricos da adolescente Claudia, de Goggin e Sahle.

 13 – Carona de graça a gente desconfia

Quinta-feira, 9 de outubro de 1947

JIC Mendes 13

– Que bom! Tomara que a crise de transportes continue…

EM 1 de agosto de 1947, o aumento de até 100% no preço da passagem dos transportes coletivos provocou um dos mais destrutivos tumultos já ocorridos na cidade de São Paulo. No Largo de São Francisco, na Praça da Sé, na Praça do Patriarca, bondes e ônibus foram apedrejados e incendiados pela população revoltada. Fogueiras arderam por toda a região do Centro. As sedes da prefeitura e da Light foram seriamente depredadas, a da CMTC totalmente destruída. Vinte e sete pessoas saíram feridas. Mais da metade da frota foi inutilizada e foram precisos meses para normalizar a circulação. Esperava-se que a recém-criada CMTC pudesse organizar melhor os transportes, mas não foi a última vez que a empresa tomou medidas impopulares ou que a multidão exprimiu seu descontentamento destruindo o patrimônio público.

A deficiência do transporte público proporcionou oportunidades para os paqueradores motorizados, que se dispunham a socorrer as donzelas abandonadas nas paradas de ônibus. Contudo, a generosidade tem limites, pois o pára-choque do calhambeque avisa: “HOMEM NÃO…”

(continua)

Para acompanhar outros capítulos deste livro, acesse a TAG JIC Mendes.

Deixe uma resposta