Ciência da velhice

Amigos embravecem quando escrevo de e sobre velhice. Não sei a quem desejam enganar. Alguns têm até a desfaçatez de definir velhice como “estado de espírito”. Basta sair às ruas. Em qualquer lugar, já há reserva para pessoas “acima de 60 anos”. Em cinemas, ou se paga meio-ingresso ou é grátis. Se, antes, isso me incomodava, passei a gostar. É uma delícia ir a cinema de graça. Deviam dar direito também a pipoca grátis. Confesso, porém, irritar-me com moçada que chama homem idoso de “tio”. Ora, tio dá rima rica. Com o verbo parir, terceira pessoa do singular. Bateu, levou.

É questão de sabedoria assumir a própria velhice. Até por razões estratégicas. Ou táticas. Aprendi essa ciência – gosto de contar a história – quando fui convidado ao aniversário de um amigo, em seus 50 anos. Um dos presentes, figura ilustre e também acima dos 50, saudou-o: “Bem-vindo ao clube dos privilegiados, os homens de 50 anos. Depois dos 50, um homem tem direito a tudo.” Isso foi há mais de 20 anos. E gostei tanto que, quando cheguei àquela idade, passei a fazer uso até abusivo do privilégio. E continuo até hoje. .

Para contrariar o mau-humor dos meus amigos também velhinhos, conto outra. Para a mulher de um deles – com suas queixas de dores matinais – um médico também amigo explicou: “Minha distinta. Se, de manhã, vosmecê acordar e, na sua idade, estiver sem dores, esteja certa: mecê morreu.” Logo, um dos segredos da velhice está em, pela manhã, bendizer as dores de cada dia. Pois, se dores são bênçãos, velhice também é. Sabe-se não ser bem assim, mas deve-se fingir.

A ciência de ficar velho está na arte da dissimulação. Portanto, velhice parece ser ciência e arte. Também não é, mas deve-se continuar fingindo. Uma arte de dissimular, por exemplo, está em – conforme a situação ou conveniência – fazer-se surdo, mudo e cego. Exige perícia e talento. E é uma delícia. As pessoas falam, finge-se não ouvir. E nem escutar. Quando não se quer ver, finge-se estar cego ou com doença nos olhos. E mudo, quando não se quer falar. Portanto, os três macaquinhos acho que indianos -“não vejo, não ouço, não falo” – são a síntese perfeita e sábia da ciência da velhice. E uma outra, da qual, agora, falo por mim, que a venho treinando com afinco: a ciência de fingir esclerose. Pois, aos esclerosados, permite-se mais ainda do que às pessoas acima de 50 anos.

A ciência da velhice está nos livros sagrados, na boca do povo e nos bumbuns de caminhões. Por exemplo: “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.” Ora, é o “carpe diem”, aquele “nem todo dia tem pão quente.” Se o amanhã é hipótese, deixem-se as chatices para depois. E, “se não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe”, é porque “tempus fugit”, como diria o agricultor dos cantos de Virgílio.

O segredo talvez esteja em conseguir neutralizar a esperança. Ou desejar tudo, esperando pouco. Se apenas “quem espera sempre alcança”, basta não querer alcançar nada. E, daí, não ficar esperando. Ora, “amanhã a Deus pertence”. Logo, Ele que cuide disso; do hoje, cuido eu. Mais vale um pássaro na mão ou dois voando? Velhos e filósofos de botequim sabem a resposta. Bom dia.

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