Gostosuras de idoso

Não entendo queixumes de amigos meus, da velhice chegando. E eles não entendem possa, eu, gostar de como ela me chega. Pois, tirante aquelas coisas de sempre – dorzinha aqui, outra lá, colesteróis, quejandos – delicio-me com estes novos tempos. Aliás, sempre me lembro de uma amiga cujo médico lhe deu a verdadeira oração matinal: “Se você, com mais de 50 anos, acordar com dor, renda graças. Pois acordar sem dor alguma significa que você morreu e não sabe.” É isso.

Há delícias, pois, na idade que chega. Há algum tempo, alegrei-me na bilheteria de um cinema de Campinas: “Acima de 60 anos, ingresso grátis.” Já contei, mas conto sempre: para meu enlevo, a bilheteira não acreditou fosse, eu, um sessentão, pensou fosse malandragem, pediu carteira de identidade. De tão feliz, quase comprei outro ingresso. E descontos em hotéis, em avião? Os velhinhos, vamos lucrando. É verdade que, uma vez, vivi a sensação de impotência: eu saíra de uma cirurgia, um moleque safado quebrou-me a bengala apenas para se divertir. Não xinguei para não ouvi-lo chamar-me de tio. O resto é festa.

Outra alegria é conversar com operadores de internet. Se alguma coisa complica – e máquinas confundem-me – socorro-me deles: “Aqui, é um velhinho, assinante de vocês. Como faço? O e-mail não vai, nem volta.” Choramingo com tanta eficiência que me comovo a mim mesmo. Então, a moçada me atende com tais atenção e carinho que me sinto com demência senil. Outro dia, após ensinar-me por longo tempo, percebi a alegria do moço quando entendi o que ele dizia. Parecia escoteiro ajudando velhinho atravessar a rua.

Ora, velho que se preze não se envergonha de perguntar. Eu pergunto tudo. Como funciona isso, aquilo, onde é a rua tal, como se usa controle remoto, só me atrapalho com caixa eletrônico. Há algum tempo, nem meu filho acreditou quando lhe pedi me acompanhasse até um caixa, num horário de madrugada. Com gente por perto, eu ficaria envergonhado. Ele fez tudo certinho com o próprio cartão. Daí, mandou-me repetir com o meu. Deu tudo errado: eu não sabia minha senha. Mas há quem guarde tantos números? Pois já não me sinto mais gente, pessoa: sou um amontoado de senhas. Passei a evitar caixa eletrônico. Mesmo porque lá só tem reais e eu ainda uso “merréis”.

Alegria foi quando, há poucos anos, ingressei na Faculdade de Filosofia. Virei ídolo da moçada. Professor falava, falava, a linguagem enrolada de filósofo. “Entenderam?” – perguntava. Os moços baixavam a cabeça. Eu levantava a mão: “Não, professor. Não entendi nada.” Ele repetia tudo de novo. “E, agora, entenderam?” – insistia. A garotada permanecia quieta. Eu levantava novamente a mão: “Não, professor. Ainda não entendi.” Até que, enfim, a moçada aprendeu e, mal o professor abria a boca, falávamos em coro: “Não estamos entendendo nada.” O filósofo, então, passou a falar língua dos mortais, passamos a entender. Delícias da senectude.

Outra gostosura é ver jovens acreditando que velho faz bruxaria. Há alguns meses, um político falou de um projeto mirabolante, de algo fantástico. Cocei a cabeça, resmunguei: “Não vai dar certo.” E não deu. Deslumbrado, o rapaz me olhou, perguntou: “Você é bruxo, como sabia?” Ora, quem assistiu ao filme já sabe o fim. E gente velha já viu mais filmes do que se pensa. É o que tento dizer a políticos jovens: planejar, só planejar, não vai dar certo. Se o noivo fica apenas no nhenhenhém, a noiva desiste. Por aqui, quanto à saúde, educação e segurança, a Noiva já desistiu. Bom dia.

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