JIC Mendes, ilustrador (3)

 O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. O livro reúne os trabalhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

5 – Um aninho da Constituição

Quinta-feira, 18 de setembro de 1947

Jic Mendes 5

– Não adianta olhar, não… Nasci com atrazo de 15 anos, é verdade; mas nasci. E a “nurse” é suficientemente forte prá me defender de “gabirus” como você…

A DITADURA de Getúlio Vargas tinha acabado, e com ela a repressão institucionalizada e a censura oficial aos meios de comunicação. Depois de quinze anos de governo autoritário, dos quais os últimos oito sob o regime fascistoide do Estado Novo, uma Assembleia Constituinte foi eleita em dezembro de 1945 durante o governo de transição de José Linhares, e a Constituição democrática foi promulgada em 18 de setembro de 1946.

Aproveitando a recém-conquistada liberdade de expressão, o desenhista não deixou de lembrar a efeméride. A enfermeira, de incrível semelhança com o presidente Dutra, empurra no carrinho de vime o bebê que segura a Carta Magna e mostra a língua para o ex-ditador, caracterizado como velha caquética.

Porém, é espantoso recordar que a Constituição ditatorial do Estado Novo, outorgada em 10 de novembro de 1937, havia sido aprovada pelas duas mais altas autoridades do governo, o ditador Vargas e seu fiel Ministro da Guerra, o próprio Dutra.

Ao comentar este desenho muitos anos mais tarde, JIC só lamenta que as pessoas tenham se esquecido tão rápido dos desmandos do regime autoritário e colocado Getúlio de volta no poder em 1951 – e o que foi pior, dessa vez pelo voto direto. Contra a férula dos poderosos, a crítica resiste a golpes de lápis.

 6 – Despindo um santo para vestir outro

Sábado, 20 de setembro de 1947

JIC Mendes 6

– Pois é como lhe digo: para vestir seus ônibus com saia e blusa a CMTC está deixando o povo de tanga!!!

A COMPANHIA Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) havia sido criada em 10 de outubro de 1946 e começara a operar em 1 de julho de 1947 após receber a transferência do patrimônio da São Paulo Tramway Light and Power Company Limited. Nas primeiras décadas de operação, a companhia importou muitos trólebus e ônibus dos Estados Unidos e da Inglaterra antes de começar a fabricar os primeiros veículos do gênero no Brasil. A CMTC foi desativada em 8 de março de 1995 depois da concessão do transporte coletivo por ônibus na cidade de São Paulo a empresas privadas sob gestão e supervisão de sua sucessora SPTrans.

O sorridente veículo parece ter gostado da roupa nova. Mas enquanto a CMTC esbanjava com o figurino, o chargista gritava que o rei está nu. JIC conta que, muitas vezes, o repórter a quem ele devia entregar os desenhos o orientava sobre os temas do momento, que seriam abordados na próxima edição do jornal. De posse desses “furos”, o desenhista preparava, quando possível, uma ilustração correspondente para ser publicada junto com a notícia. E para um diário de orientação popular como “A Noite”, a fiscalização do poder público municipal era uma das linhas editoriais mais presentes. Por falar em vestir, reparem mais uma vez na variedade da reprodução dos tecidos, que juntamente com o sombreado confere notável variedade ao desenho preto-e-branco

 7 – A velha fábula da raposa e as uvas

Terça-feira, 23 de setembro de 1947

JIC Mendes 7

– Essas garotas não me interessam…

O BIGODUDO ditador soviético Joseph Stalin, retratado ao gosto da época – e con forme a própria iconografia socialista – com jaleco de gola alta, estrela na lapela e as botas pesadonas da opressão, finge não dar bola para as esbeltas donzelas com as quais o tio Sam pratica uma política da boa vizinhança pra lá de amigável. Nessa releitura de Esopo, Miss América Central e Miss América do Sul são retratadas com os vestidos justos e a cabeleira armada que também caracterizam a personagem de Evita Perón nos traços do JIC (moda que ela abandonaria em prol de outra muito mais comedida após sua turnê europeia).

 (continua)

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