JIC Mendes, ilustrador (1)

O texto, a seguir, é conteúdo do livro “JIC Mendes, ilustrador – São Paulo e o mundo há 70 anos nos traços de um grande cartunista”, que integra a Coleção de Humor Gráfico da AHA – Associação dos Amigos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, em parceria com o IHGP – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. Conforme nota do editor, as legendas das ilustrações foram transcritas, mantendo-se a grafia original das mesmas.

Prefácio

Da rua Moraes Barros para “A Noite”, a trajetória de um pioneiro do humor gráfico em Piracicaba.

JIC MENDES, como assinava seus cartuns e caricaturas nos anos de 1947 e 1948 no jornal “A Noite”, em São Paulo, ficou extremamente feliz com a lembrança e confirmou presença no 38º Salão de Humor de Piracicaba, em 2011. Esta foi sua primeira exposição como artista em Piracicaba, já que ao longo de 92 anos de vida, suas intervenções na cidade sempre foram no campo da engenharia civil.

São dele e de sua construtora, por exemplo, alguns barracões da Dedini, as instalações Codistil na estrada para Rio Claro e a Escola de Engenharia de Piracicaba, na avenida Monsenhor Martinho Salgot.

Nascido em Piracicaba e criado na rua Moraes Barros, entre a Alferes José Caetano e a rua do Rosário, onde viviam seus pais e tios, José Ignacio fez os estudos iniciais no Externato São José (na rua Alferes, onde hoje se localiza a Faculdade de Odontologia); o primário no “Moraes Barros” e o antigo científico no “Sud Mennucci”.

Chegou a cursar um ano como aluno na ESALQ, mas a paixão pelo desenho o levou à engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1949.

Casou-se em 1950, tem seis filhos, 13 netos e 5 bisnetos. Um de seus netos, José Ignacio Coelho Mendes Neto, foi o responsável pela coleta dos desenhos publicados no jornal “A Noite”, de São Paulo, no final dos anos 40, que resultaram na exposição que foi apresentada em Piracicaba e agora transforma-se neste livro em homenagem ao avô.

Durante o período, o autor José Ignacio Coelho Mendes Neto frequentou o Arquivo Público do Estado de São Paulo e lá conseguiu 41 cópias, que, depois, legendou e apresentou como surpresa de presente ao avô. Alguns originais ainda estão preservados na coleção de JIC Mendes.

Como estudante, e vivendo da pequena mesada que o pai lhe enviava de Piracicaba, ele um dia resolveu apresentar-se ao jornal, na expectativa de que pudesse arrumar alguma colocação. Mostrando-se hábil nos cartuns e caricaturas e inspirando-se em Belmonte, que publicava na “Folha da Tarde” / “Folha da Noite”, JIC Mendes retratou a São Paulo do final dos anos 40, o país e o mundo na coleção que foi exibida em Piracicaba e que agora reunimos neste livro que conseguimos viabilizar em parceria entre a AHA (Associação dos Amigos do Salão de Humor de Piracicaba) e o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

(por Adolpho Queiroz, presidente da AHA; e Valdiza Maria Caprânico, presidente do IHGP)

1 – Desenhista novo na praça

Terça-feira, 09 de setembro de 1947

JIC Mendes 1

JOSÉ INACIO COELHO MENDES nasceu admirando Belmonte. Porque tem muito de Belmonte. Porque adorava o traço de Belmonte. E, finalmente, porque via em Belmonte todo o zé-povinho, sacrificado e sofredor, humilhado às vezes, outras vezes enaltecido, mas gritando com a força dos pulmões que Deus lhe deu. Agora, adulto, José Inacio Coelho Mendes procura levar ao plano da realidade o seu grande sonho: ser mais ou menos como Belmonte. Isto no genero: a caricatura. Em tudo o mais, “JIC” pretende ser diferente. Mesmo porque diferente e original é esta nossa epoca…. Assim, às terças, quintas e sábados, A NOITE divulgará os trabalhos de “JIC”, um valor novo que surge no mistério dos traços. Depois de amanhã, iniciaremos a publicação dos interessantes trabalhos desse nosso colaborador, para o qual chamamos agora a atenção dos leitores.

 Em 9 de setembro de 1947, o jornal paulistano “A Noite” anunciou em sua primeira página, sem medir elogios, a estreia de um novo colaborador: o ilustrador JIC Mendes. O jovem piracicabano de 21 anos, instalado na capital há três, precisava de um trabalho para se manter enquanto cursava a faculdade de engenharia. Confiante em seu talento de desenhista, juntou numa pasta alguns desenhos e muita coragem e compareceu à redação. Foi recebido por um repórter que gostou dos desenhos e levou-os aos seus superiores. Pouco depois, JIC foi entrevistado por um redator que gastou sua verve para traçar um perfil artístico vagamente baseado nas suas declarações. Estava contratado!

JIC aparece muito sério na foto, como convém ao “adulto” a que se refere o texto de apresentação. Exibe um bigode bem aparado e espessas sobrancelhas estilo taturana e veste um terno impecável, como era costume na época. Cita com adoração sua maior influência, o desenhista Belmonte (que havia falecido em 19 de abril daquele ano), e diz a que veio: produzir desenhos que retratam o “zé-povinho” com compaixão e perspicácia, e lançam sobre seu tempo um olhar “original e diferente”. E foi o que fez nos 7 meses de setembro de 1947 a março de 1948, que renderam 40 ilustrações de temática variada e traço magistral, publicadas sempre na primeira página do vespertino.

OBS: O paulistano Belmonte começou sua carreira de desenhista em 1912 (com influência de “90%” do ilustrador J. Carlos, confessa ele). A partir de 1925 até o final da vida, foi caricaturista e cronista diário na “Folha da Manhã” e na “Folha da Noite”. Nesta última, criou o Juca Pato, personagem que “encarnava as angústias e os problemas do povo” (Leonardo Arroyo no Prefácio a “No Tempo dos Bandeirantes”, p.11). As charges do Juca Pato foram depois publicadas em livro nas décadas de 1920 a 1940. Mais tarde, JIC inspirou-se em Belmonte também na assinatura de seus desenhos, na qual as letras M, E e N do Mendes são formadas apenas por traços horizontais ou verticais.

 (continua)

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