Beira-mar
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Tenho mais a vos contar das exaltações marinhas. Toda vez é assim: os céus desabam sobre o mar o vaidoso azul de suas transparências. Espelho vítreo, incêndio de águas e puro fascínio inspiram-me o canto da poesia marinha.
Poema fértil de naturezas, de embates sedutores e místicas evoluções. Peço licença para entrar em tua casa atlântica. Timidamente, piso em tuas areias e ouso imitar tua música. Avanço-te, onda por onda, cautelosa. Gosto de ti, mar, de teus símbolos, de tudo que te nomeia, feito âncora, vela, cavalo marinho, peixe, o que te representa é o de menos.
Mar, ó mar, sofro a interpretação de tuas vozes, teu chamado lento, intermitente. Emoção de pertencer-te por um verão e frequentar teu profundo mistério.
O que me contas é água, sal, sol, vento oceânico, vela branca. Palavras mínimas descrever-te-iam. E o sofrimento dos que nunca te viram? A eles cabe o desenho de tua paisagem movediça, iluminada e funda.
Tua lenda é o feitiço. Tua lua é esta poça prateada, entrevista em teu leito ondulante. Os que morreram em luta contigo, permaneçam inteiros na memória da água. Ah, o cansaço dos salvos! Braços para o mar de areia, pés para a vida dos coqueirais. Que toda valentia tome jeito e redobre cuidados aos teus respingos. Ao teu rugido selvagem. O mar é do signo de Leão.
Do continente, tuas ilhas resplandecem, insinuando tesouros. Vem de teus arquipélagos a parte fragmentada que te representa. Não há barra sem perdida praia brava. Em ressaca, esmerilhas em mil pontas minhas pedras interiores.
Quem te avista, graciosa península, ao aportar, helênico, singrando mares? Antigas naus no remo e na força. Solícito, ofereces porto às chegadas. Recolhes-te tímido e altivo, precavido, recusando convivas.
Que sei eu dos teus lamentos em fúria? Sei do navio que te mancha de óleo, dos petroleiros cortando e poluindo tuas entranhas puríssimas. Choras os peixes que morrem em teu ventre, afogados em venenos e plásticos. Quantos se voltarão para tuas origens, apressados em salvar-te? Pois uma paz oceânica haverá de agradecer toda carícia, toda generosidade, todo afeto.
Não ficará pedra sobre pedra: a Terra, gentil, teme e espera pela inundação. Um planalto digno apaziguará a loucura dos elementos e a terra seca anunciará o novo mundo. Uma arca solitária será vista, equilibrando-se sobre a rocha dura e uma pomba sobrevoará tua face oculta. Depois, que lugar caberá a ti no planeta?
Enquanto não te decides, acredito em correntezas e vigio. Tua profecia é minha crença. Temor às fossas abissais, para onde não vou nem em sonho. Guardo em segredo legítimo o que não conheço de ti.
Chego e parto cheia de presságios. Antes mesmo de lançar-te um último suspiro, mergulho até onde vai o amor que te dedico. E ali, fundeio meu desejo de retornar aos teus braços.
Que triste deixar-te, mar! Voltar mil vezes o olhar, o tráfego ocultando tua explosão. Roubar uma parte de ti nas retinas e impregná-las de saudades, estas que fazem de mim eterna aprendiz do teu convívio.