Cida e Zaia, um caso de amor

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Ilust-Cida-Zaia

A casa simples, de tábuas de madeira no bairro Jaraguá, em Piracicaba, fora construída para os jovens Izaías Barbosa Gil e Aparecida de Oliveira. Casaram-se, em 1967, abençoados pelo padre Monsenhor Juliani e, nela, receberam a família e os amigos com bolo e garrafinhas de guaraná Cruzeiro. Izaías — ou Zaia, como é conhecido — conseguira bom emprego no SEMAE — chefe de setor — onde trabalhou até a aposentadoria. Quando menino, fora contratado pela prefeitura como “rec-rec” para carpir o mato das calçadas na cidade, época em que também começou a fumar cigarros. Já moço, terminou um noivado de 5 anos quando se apaixonou por Cida — moça miúda, de pai português e gênio forte. Ensinou-a a fumar.

Sempre cheia, a casa tornara-se o ponto de encontro da família nos finais de semana. Aos três filhos pequenos — Eliete, Elisabeth e Fábio —, juntavam-se os primos e a alegria fazia-se completa. No quintal — território da criançada —, o pequeno do Zaia imitava-o, dirigindo caminhão e ônibus. Fazia os outros de passageiros.

O casal viu a saúde física e emocional definhar quando o filho faleceu num acidente, havia 22 anos. Ele contraíra séria infecção na garganta por fungos, de tratamento difícil e demorado, que dificultava a alimentação e que o fizera perder peso. Religioso, conseguiu a graça da cura ao receber, dissolvida em água e numa colher, a Santa Eucaristia. Nessa ocasião, o genro, sensibilizado pelo sofrimento do sogro, resolveu abandonar de vez os cigarros. Ela, já debilitada pelo enfisema pulmonar decorrente de uma vida de tabagismo, sofreu ainda mais com a depressão.

Sabe-se que o tabagismo causa cerca de 60 doenças diferentes, principalmente as cardiovasculares e as respiratórias obstrutivas, como a bronquite crônica e o enfisema pulmonar. As substâncias tóxicas presentes no cigarro são responsáveis pelo desenvolvimento dessas patologias. Quando inaladas, inflamam os alvéolos, que se tornam rígidos e aumentam de tamanho, destruindo o tecido pulmonar. Em consequência, o oxigênio não consegue entrar em contato com o sangue e vêm os sintomas: respiração ofegante, chiado no peito, falta de ar e tosse crônica.

Os cigarros, enfim, começavam a cobrar o seu preço. Zaia vitimou-se de oclusão na aorta e necessitou de cirurgia extensa e arriscada. A nicotina — componente viciante contido nos cigarros — provoca estreitamento dos vasos sanguíneos e aumento da pressão. Outros componentes nocivos lesam o endotélio, camada de revestimento interno dos vasos, que passam a ser preenchidos pela gordura que circula no sangue, o conhecido colesterol. Seu acúmulo, lento e progressivo, leva à obstrução do vaso. A esse processo, dá-se o nome de aterosclerose, que ocorre no corpo inteiro e responde pelos casos de infarto, de AVC e de trombose, entre outros.

Assustados e pressionados pela família e pelo cirurgião vascular, resolveram fazer comigo o tratamento. Zaia conseguira ficar em abstinência dos cigarros, mas, 8 meses após, recaíra.

A maioria dos fumantes tenta várias vezes — em média 8 — antes de conseguir parar de fumar completamente. No site do INCA — Instituto Nacional de Câncer —, aconselha-se que, se a pessoa já tentou parar e não conseguiu, ou se conseguiu por algum tempo e depois acabou voltando a fumar, não deve desanimar nem encarar como fracasso ou deixar-se levar pela culpa. Deve, sim, usar a recaída como aprendizado e atentar-se aos motivos que a levaram a voltar a fumar, para evitá-los na outra tentativa.

Mais uma vez, em seguida a um agravo na saúde de Dona Cida, as filhas, os genros e os netos enlaçaram-nos em amor, apoio e incentivo ao abandono do tabagismo. Em 2020, submeteram-se, novamente, ao tratamento com remédios e obtiveram sucesso. A casa deles, hoje reformada e de alvenaria, ainda possui o mesmo assoalho de madeira de outrora, repleto de marcas do tempo e das brasas dos cigarros.

Em reconhecimento ao amor de Deus pelo casal e pela família que formaram, celebraram, sob as bênçãos do mesmo Monsenhor Juliani, na paróquia Menino Jesus de Praga, no Jaraguá, suas Bodas de Ouro. Reafirmaram os votos de amor e de respeito na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, por todos os dias de suas vidas. Cida e Zaia permanecerão juntos, até que a morte os separe.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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