Das linhas de produção ao plenário da Câmara

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Os últimos trens cargueiros ainda trafegavam pela linha férrea em meados dos anos 1980 e passavam por dentro da cidade de Piracicaba. Garotos das redondezas costumavam brincar de pegar carona na rabeta dos trens. Subiam, quando estes saíam da Estação da Paulista, e, ainda em movimento, pulavam da embarcação quando passavam ao lado de um monte de areia no pátio da Prefeitura, logo à frente. Um desses adolescentes ousados viria a se tornar o Diretor do Centro Cultural da Paulista, quase vinte anos após: Pedro Moitiro Kawai.

Natural de Piracicaba, Pedro nasceu e cresceu no bairro da Paulista. Cursou o primário na escola João Conceição, em que lecionava sua mãe, Inês Teresinha — neta de italianos —, e o ginásio, no Jorge Coury. Gostava de acompanhar o pai, Naoki Kawai, mais conhecido como Pedro Fuji — neto de japoneses —, no negócio da família — a Vidraçaria de Box Fuji. Via o pai fumar cerca de 60 cigarros por dia e, quando passou a trabalhar na loja de calçados Atuante, juntou-se aos colegas fumantes porque tinham permissão para fazer intervalos periódicos de 5 minutos. Assim, aprendeu a fumar.

O pai decepcionara-se, tremendamente, ao descobrir que Pedro fumava. Num gesto impulsivo, como a tentar reparar o mau exemplo que dera ao filho, atirou o maço de cigarros nas águas do rio Piracicaba, no Tanquã, dizendo que nunca mais fumaria.

Aos 20 anos, ainda morando com os pais, Pedro construíra seu quarto na lateral da residência. Certa vez, planejando passar a noite em casa, comprara um maço de cigarros e alugara vários filmes — queria maratonar. No dia seguinte, acordou passando mal, com a boca amarga, com dores de cabeça e assustou-se ao ver o cinzeiro repleto de bitucas — restavam apenas 4 cigarros dentro do maço. Daquele dia em diante, parou de fumar.

O ex-fumante é — e sempre será — um adicto. Se fumar um cigarro, pode voltar ao ritmo de consumo indesejado. A definição de adição é vício que se associa ao consumo abusivo de algo. O tabagista possui uma doença crônica causada pela dependência à nicotina que, segundo a OMS, se classifica no grupo de transtornos mentais e de comportamento em decorrência do uso de substâncias psicoativas. (CID: F17.1)

No ano seguinte, em 1992, incentivado por amigos, decidira imigrar para o Japão. O Brasil vivia a década perdida, como ficaram conhecidos os anos de 1980, com a inflação galopante, o desemprego em alta e o aumento da desigualdade social. Juntou-se aos outros decasséguis — brasileiros descendentes de japoneses que emigraram para o Japão à procura de melhores oportunidades de trabalho. Na cidade de Ota, pertencente à metrópole de Tóquio, empregou-se, junto com mais 15 parentes e inúmeros brasileiros, na fábrica da montadora de automóveis Subaru. Morou no alojamento da empresa e trabalhava 9,5 horas por dia. Lá, aprendeu o básico do idioma, mas, sobretudo, a ter foco, paciência, disciplina e discrição.

A prevalência de tabagismo entre os homens no Japão era altíssima — recorda-se de que, na seção em que trabalhava, dos 15 homens, apenas 1 não fumava. A convivência com os fumantes provocou-lhe algumas recaídas. Numa ocasião, durante partida de truco com os amigos, fez brincadeira molhando, com cerveja, seus cigarros. Um deles o desafiou dizendo que deveria ter medo de voltar a fumar. Ao que respondeu:

“Esse objeto tão pequenino não pode ser mais forte do que eu!”. Acendeu e fumou vários cigarros. Poucas horas depois, vomitando e atordoado, deu o braço a torcer.

O programa nacional antitabagismo do Ministério da Saúde considera o acompanhamento profissional especializado demasiado importante nos meses seguintes ao fumante largar os cigarros. Objetiva-se educar o paciente a reconhecer situações com potencial risco de recaída, como estados emocionais negativos, conflitos interpessoais e pressão social, por exemplo.

Quando Graciani, sua esposa, sansei como ele — termo dado aos brasileiros netos de japoneses —, engravidara, resolveram retornar a Piracicaba. Com a rede de amigos e de influência que criou, logo encontrou lugar de destaque na cidade com o convite do amigo e prefeito Barjas Negri para dirigir o recém-criado Centro Cultural da Paulista. De lá para a Câmara de Vereadores, encontrou caminho pavimentado e está, hoje, no seu terceiro mandato.

Em março de 2023 retornou ao Japão numa posição de honra e de destaque. Convidado pelo cônsul japonês, integrou uma comitiva de estudantes, de empresários e de políticos — apenas 10 representantes brasileiros — e viajou ao Japão para conhecer as cidades de Tóquio, de Hamamatsu e de Fukushima com suas indústrias tecnológicas, seus costumes e sua cultura.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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