A acolhedora Piracicaba para um recomeço

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As ruas arborizadas de Interlagos, bairro residencial da zona Sul de São Paulo, com seus sobrados charmosos e sua vizinhança amigável, viram circular as primeiras vans Topic no início dos anos 1990. Veículos de baixo preço, práticos e sem similares nacionais, começaram a substituir as Kombis e os ônibus. Duas unidades foram adquiridas pelo casal de empreendedores Tânia Cristina e Max Estanislau, que já possuíam 4 ônibus em sua frota. Diariamente, transportavam cerca de 300 alunos do tradicional Colégio Humboldt, além de organizarem excursões para o zoo ou para o circo. Tanto os patrões, quanto os motoristas fumavam dentro e fora dos ônibus.

Tânia começara a fumar aos 14 anos. Quando se casou, aos 18, ela e o marido, também fumante, espalharam cinzeiros pela casa toda — até no quaro do casal, enchiam-nos de bitucas, em cada lado da cama, sobre os criados-mudos. Ela só deixara de fumar nas gestações dos filhos. Teve dois — Denise e Rogério. A fumaça enjoava-a e parava de fumar, mas, ainda na maternidade, com o bebê no colo, pedia, ao sogro, um cigarro e voltava ao vício de outrora. Consumia 40 cigarros por dia.

Nessa direção, evidenciou-se que o tabagismo, durante a gravidez, configura uma das principais causas evitáveis de desfechos desfavoráveis, tanto fetais, quanto maternos. Muitos estudos avaliaram os malefícios para o bebê, antes e depois de nascer, quando a mãe fuma durante a gravidez. De um total de cerca de 25 milhões de gestantes americanas, que tiveram filhos vivos entre os anos de 2011 e 2017, pouco mais de 2,5 milhões fumaram durante a gravidez. A proporção de mulheres fumantes que interromperam o consumo de cigarros logo no início da gestação foi de 24%. Já nos 3 últimos meses, a taxa chegou a 39%. Pôde-se comprovar, com esse grande estudo, realizado nos EUA, que parar de fumar, mesmo com a gravidez em curso, reduziu a chance de parto prematuro.

Outro estudo, publicado neste ano de 2023 no jornal científico Obstetrics & Ginecology, mostrou que a suspensão do cigarro nos 3 primeiros meses da gestação permitiu que o feto tivesse um desenvolvimento adequado. As futuras mamães que não abandonaram o cigarro, por outro lado, tiveram 3 vezes mais bebês com baixo peso, em comparação às não fumantes.

De volta à família Estanislau, o casal expandiu os negócios ao montar um minimercado onde se vendiam pães, frutas e cigarros. Como o crescimento urbano se acompanhou de escalada na violência, em poucos anos, sofreram 4 assaltos. No quarto, revoltado com a ousadia dos criminosos, Max trocou tiros com eles. No dia seguinte, recebeu, através dos muros da casa e embrulhado numa pedra, um bilhete ameaçador: sabiam onde moravam e onde estudavam seus filhos.

Apavorados, naquela mesma noite saíram, atabalhoados, rumo à casa dos compadres em Piracicaba. Vieram com os dois filhos, uma mala de roupas e o pastor alemão. Desistiram de São Paulo, venderam o que puderam e arrendaram os ônibus e as vans. Aqui, ainda tentaram recomeçar no ramo dos transportes ao fazer parceria com o professor Turcão, dono do Colégio Liceu. Infelizmente, essa durou pouco e terminou de maneira trágica — o novo amigo e conhecido educador da cidade foi assassinado.

O casal construiu sua residência no bairro da Nova Piracicaba e diversificou, novamente, o negócio. Criaram a MS Uniformes, empresa familiar que, até os dias de hoje, junto ao filho e à nora, atende a indústrias, a escritórios e a escolas. Orgulhosa, Tânia conta-me que foram eleitos “Top of Mind” no seu ramo de atuação.

Ela mistura tudo o que faz uma mulher pós-moderna: trabalho e casa. Ainda assumiu o cuidado de uma neta especial que lhe demanda tempo integral. Resolveu tratar o tabagismo aos 60 anos de idade, por incentivo das netas e por se ver isolada em casa no vício — ninguém mais, do seu convívio, fumava. O esposo abandonara, havia 20 anos, os cigarros. Exitosa no tratamento do tabagismo há mais de 3 anos, pediu ajuda à sobrinha para que olhasse a neta enquanto conversava comigo ao telefone. Gosta de cuidar de tudo na casa. Centralizadora, não tem ajudantes porque, como afirma, lhes paga caro e não fazem o serviço a contento. Gosta de encher a casa com os netos — já tem 5 e o 6º se encontra a caminho. Acredita que contribuiu para criar, em sua família, um ambiente saudável, livre do tabaco.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

1 comentário

  1. Douglas em 10/09/2023 às 10:21

    Admiro o trabalho dela na luta contra o tabagismo por anos!

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