Educando com exemplos e histórias
Os textos de diferentes autores publicados nesta seção não traduzem, necessariamente, a opinião do site. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Sentado à mesa da “Brasserie” nos idos dos anos 1980, na praça José Bonifácio — um dos mais antigos restaurantes e pontos de encontro de Piracicaba —, colocava um maço de cigarros e um guaraná com gelo num copo on the rocks. Dorival Secamilli não bebia e nem fumava. Deixava os objetos à mostra para se passar por fumante consumidor de álcool e, como maneira de inserir-se, sem julgamentos, nos costumes da sociedade da época. A cena, carregada de simbolismo, serve hoje de ilustração para o professor de literatura Fábio Luís dos Reis sensibilizar seus alunos quanto aos males do cigarro. O personagem, seu amigo, também configura exemplo de superação contra o sedentarismo e a obesidade, destacando-se, atualmente, em provas de corrida de longa distância.
Desde os tempos mais remotos da comunicação, o conhecimento foi transferido através de histórias. Antes mesmo de a escrita e a linguagem se desenvolverem, nossos ancestrais já contavam histórias por meio de imagens, como as pinturas rupestres. Elas se tornaram uma ferramenta poderosa de comunicação para transmitir qualquer tipo de mensagem, porque despertam emoções ao longo da narrativa com as quais as pessoas se identificam, tais como: felicidade, medo, curiosidade, tristeza e compaixão, por exemplo. Existe até mesmo um nome para essa técnica: storytelling, ou a arte de contar boas histórias com propósitos definidos. Em Piracicaba, a jornalista Sabrina Scarpare dedica-se, com primor, a ensinar o bom uso dessa técnica. Ela também me inspirou a escrever estas crônicas quinzenais. No ensino, o storytelling tornou-se maneira eficiente de transmitir conteúdos e ajudar os alunos não só a memorizar, como também a se engajar, verdadeiramente, com as aulas e os estudos.
Natural de Piracicaba, no residencial bairro do Jaraguá, Fábio cresceu vendo o pai e muita gente fumar. Quando entrou na universidade, aprendeu a fumar também. Cursou 2 anos de engenharia agronômica na ESALQ antes de descobrir que sua vocação eram as ciências humanas e de migrar para o curso de Letras na UNIMEP. Depois de finalizar uma pós-graduação na USP, passou a lecionar Literatura nos colégios Anglo e ETAPA da região. Cada dia em uma cidade — Capivari, Cerquilho, Tietê e São Pedro —, passava parte do dia no carro viajando e tinha, como companheiro, o cigarro.
Durante a semana, fumava apenas 3 cigarros por dia. Nos intervalos das aulas, quando um grupo de professores saía da sala para fumar, juntava-se a eles, mesmo sem vontade de pitar. Nos finais de semana, não fumava em casa. Como o mais velho dos irmãos, Fábio não queria que o vissem consumindo cigarros.
Os fumantes que reduzem o número de cigarros fumados por dia podem beneficiar-se de grandes diminuições nos riscos de câncer e de algumas doenças cardiovasculares. No entanto fumar apenas de 1 a 5 cigarros por dia, associa-se a um substancial risco de DAC (doença arterial coronariana) e de AVC (Acidente Vascular Cerebral). Num estudo publicado em 2018 no British Medical Journal, quantificou-se o risco de ambas as doenças de acordo com o número de cigarros fumados ao dia e o resultado foi revelador: homens que consumiam de 1 a 5 cigarros por dia apresentaram risco 48% maior de DAC e 25% maior de AVC que os não fumantes. Já, entre as mulheres, o risco foi ainda maior: 57% e 31%, respectivamente.
Há dois anos, depois de se consultar comigo e de ouvir conselhos e orientações, uma espécie de sinal acendeu-se em sua mente e empenhou-se em abandonar o tabagismo. Evitou gatilhos e começou a nadar três vezes por semana nas piscinas do Clube Cristóvão Colombo, sob a orientação do professor Zé Roberto Botelho, outrora meu treinador de natação no Clube de Campo. Fábio achava a piscina de 25 metros interminável. Não conseguia dar mais do que 2 braçadas sem precisar tirar o rosto da água para respirar. Sentia-se sufocado. Conforme o tempo passava longe dos cigarros, motivava-se a seguir na abstinência por notar a melhora no desempenho nas piscinas.
Alguns alunos, atualmente, acompanham-no aos treinos e, desde que sentiu os benefícios do exercício sobre o corpo e vê uma oportunidade, trava verdadeira cruzada contra os jovens fumantes.
Fábio Luís dos Reis não precisou do tratamento com remédios. Há um ano e meio parou de fumar.
*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.
*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.
A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.