Digno tempo de espera

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Foto: Reprodução Google

Não fosse este tempo pascal, a vida transcorreria comum e corriqueira. Mas surge uma febre terçã, de quando se sente pequenino demais diante do assombro. Sinto-me pequenina, sempre. Elevo os olhos para o vasto céu e vasculho o infinito. Na grandeza astral, professo o apagamento, a pobreza no espírito, a solidão mil vezes abraçada. O silêncio é a minha religião.

Tempo da Páscoa. Entendo tudo. É a liturgia da vida, compondo um calendário em que as primeiras brisas de outono acenam promissoras, prenunciando alvíssaras. Páscoa. Passagem, iluminação. Digno tempo.

Para quem prestou atenção, o céu da Semana Santa nunca esteve tão belo. E tão cheio de presságios. Um firmamento magnífico e também aterrador, de inquietudes abissais. Um Deus pregado na cruz nos salva pelo amor. Aprendi isto: a lição da cruz é o amor e não a dor. Eu vi o céu da Semana Santa, eu vi.

Fazer o quê, neste provisório outono azul? Acender dentro do peito a chama viva de uma tarde outonal. O que me salva? Salva-me saber que ontem, menina, busquei o tempo. Além dos vestidos de algodão e da bolsa da escola. O lanche, o abraço da professora, o primeiro medo, a primeira conta. Pela frente, uma vida inteira, a mulher adulta, os cheques por assinar toda a dívida de estar vivendo.

O corpo cresceu e digo que não cabe mais na saudade. Outono é bem assim, deixando seus rastros por aí. Esta digna estação me reporta ao derramamento da poesia, em todas as suas instâncias. Quando é madrugada nos meus cabelos ou quando brilha no meu peito a última estrela. A música noturna é um canto marinho de vozes longínquas. Fragor de batalhas, lutas heroicas, velas ao vento e longitudes.

Sofro desta saudade talassêmica, de uma tristeza endêmica, doença que atinge os desavisados, os incautos poetas da graça. Sofro desta aventura mediterrânea, do olfato colado nas maresias, do barco ao mar, do canto das sereias que atraíam os marinheiros à deriva. Sofro de atóis e istmos, sofro das ilhas da Oceania, sofro de um mapa-mundi recém-encontrado, sofro da Papua Nova Guiné, da ilha de Vanuatu e de todas as brisas.

Este digno tempo deslumbra em mim a lembrança de terras distantes. Dei para decorar os continentes e seus respectivos países. Exercício bom para afastar o temido alemão. Conciliando o sono, repasso os nomes. Sei citar de cor todas as nações africanas, sem pular uma só. Moro na Ilha de Madagascar, a ilha do amor. Vou lá quando quero e tenho uma casa de madeira na árvore. Avisto o invisível horizonte que transcorre em minhas veias insulares.

Ó, geografia do sonho! Em que recanto habita meu pobre e inquieto espírito? Que lugar é este, por favor? O das esperas intermináveis, cujo lema de paciência nos diz que seus frutos são doces. Pois espero, sei esperar. Não tenho ideia do que seja este apelo agudíssimo e do que ele me causa. Apenas deixo-me assombrar.

Estou de vigia. Para ver a queda dos astros, todos os cometas, o segundo sol, a terceira margem, a sétima estrela, a Terra abalada. Todo o fundamento oceânico, as águas vertendo inflexões. Venha sobre nós o colossal aviso divino, a profecia em toda a sua plenitude e a glória da ressurreição. Penso que viver será sempre um mistério. Vida e morte, vastas e intensas, a que viestes?

Haveria ainda tanto a escrever. Mas paro por aqui. Santa curiosidade. Ela mata, eu sei. Aliás, uma boa parte deste exército já está morta ou cansada de tanto esperar. Belo tempo, Senhor. Tiro o chapéu para ele. Digno tempo de espera.

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