Ele não errou uma!
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Estava dando carona para um dos amiguinhos de meus filhos, um sapequíssimo garoto de 8 anos de quem gosto muito quando, em coro, perguntaram-me se enquanto brincavam no quintal eu lhes ofereceria um lanchinho, especificamente fatias de maça com peanut butter e Nutella.
Respondi que sim quanto à maça e à pasta de amendoim, mas que não estava tão segura quanto ao chocolate da Nutella… Disse-lhes que para aquele “extra” eu deveria ganhar alguns beijinhos deles em troca.
E então aconteceu o seguinte breve dialogo:
– Mas Mrs. Ouzounian eu lhe dei flores quando voltamos a pé da escola semana passada! Disse-me o amiguinho de meu filho.
– Sim, exatamente, a semana passada. Hoje é outro dia.
– Mas, eu lhe dei um desenho do meu carrinho na última reunião dos escoteiros! Insistiu ele.
– Sim Hayden, desenho que eu adorei. Mas isto foi outro dia…hoje é hoje. E hoje eu quero dois beijinhos pela Nutella. Meninas adoram beijos. Beijos são como comida para nós.
– Eca! Beijos não são comida mamãe! Interveio meu filhote mais novo, de quase 5 anos. Não são comida para meninos mamãe!
– Sim, não são Anthony… Disse eu não podendo conter um sorriso interno. Não são por enquanto meu filhinho, por enquanto…
E então olhei pelo retrovisor para aquelas carinhas mais fofas deste mundo, que no frescor de seus parcos anos guardavam tanta inocência, tanta pureza.
Estacionei a caminhonete, eles saíram em disparada para brincar. E eu permaneci ali alguns minutos, sozinha, no silêncio de meu carro divagando:
-“Quando exatamente as engrenagens desta roda começam a girar de forma contraria?
Quando passaremos de a princesa (especialmente se você tiver o privilégio de ter só meninos em casa) para a “quadrada” (ou qualquer outro adjetivo que, segundo adolescentes, nomeiam todo o resto da humanidade que não saiba tudo como eles)?
Quando passaremos da fase de pedir que desliguem o joguinho do celular (e venham jantar) para pedir que desliguem a menina do outro lado da linha (e venham comer a comida)?
Infinita sabedoria do Criador que faz com tais engrenagens virem paulatina, vagarosa e homeopaticamente. Todo dia uma gotinha, todo dia um passinho minúsculo à frente. Neste assunto, a não transpassar os corações de todas as mamães, toda cautela se faz mesmo absolutamente imprescindível. Aqui, como diria Guimarãe Rosa, “devagar já é depressa”.
O espaçamento e diluição no tempo dos fatos faz com que o momento de dividi-los com o mundo não seja assim, talvez, tão dilacerante como o seria se ele ocorre-se do dia para noite.
“Talvez” vejam bem disse eu, talvez…
E aqui permitam-me contar-lhes uma história com a qual sinto total familiaridade. Foi me contada por um amigo do meio oeste americano, um destes tipos “simples” que não se entregam a over analyzing t-o-d-o e qualquer assunto ou que nem tão pouco dão a mínima pelota à ditadura do politicamente correto.
Ele nasceu e cresceu no meio oeste, não na “moderninha” Califórnia onde vivo.
Estávamos conversando eu e ele sobre como desafiador seria ver sua pequena crescer e bater asas, crescer e começar a não mais acampar com ele e sim com o “Betão”, quando submergindo assim mansamente de seu modo reservado e com a toda a calma daqueles tipos toscos os quais, invariavelmente, tem tudo naturalmente equacionando e resolvido em sua mente, contou-me ele o seguinte:
-“Quando eu tinha uns 17 anos, um de meus melhores amigos do Texas o qual estava começando a sair com uma de suas primeiras namoradinhas, foi chamado à casa da menina para ter uma conversa com o pai dela.
Ok, pois lá foi meu amigo, na insegurança dos seus 17 anos a enfrentar o tal pai da garota. Mas, qual não foi sua surpresa quando ao chegar foi recebido por um homem que o aguardava não na sala, mas no quintal da casa com sua espingarda praticando tiro ao alvo em uma série de latinhas cuidadosamente arrumadas a sua frente?!
Contou-me que a “conversa” entre eles durou pouco, tempo suficiente apenas para que t-o-d-a-s as latinhas tombassem ao chão.
Contou-me que o homem tinha poucas perguntas para ele, mas para cada uma delas antes mesmo que ele pudesse responder, bum! Era mais uma latinha que tombava… até que a última caiu”.
E seu amigo? Como ele estava quando lhe contou tudo isso? Perguntei eu encantada.
-“A única coisa que ele não parava de repetir, quando tremendo como uma vara verde voltou, era: PQP cara! Ele não errou uma!”
Ele não errou uma…
Que me perdoem as psicólogas e os alarmistas de carteirinha em punho, mas…didático não?
Oxalá o tempo me traga o desprendimento que necessitarei para entrega-los aos braços do mundo. Oxalá o tempo me traga desprendimento para entrega-los aos braços destes seres que vestem mini saias (precisava serem tão mini assim?!)
Do contrário, já vou logo participando-lhes, meus meninos, do novo esporte de mamãe nos fins de semana: tiro ao alvo.
Boa noite meus anjos.
Califórnia, 8 de maio de 2012.
* Thaís Guidolin Miguel, colaboradora brasileira na Califórnia.
É o momento da saudade dos dias que se foram, tão rápidos. É o momento em que sentimos que poderíamos ter deixado de lado afazeres sempre contínuos e brincado mais com eles, rolando na grama, jogando futebol.
Que Oxalá esteja contigo… Adorei o texto.
Sábia suas palavras Verônica. É exatamente disto que as crianças de hoje tanto necessitam e tão pouco encontram; mães presentes que passem tempo com seus filhos, saboreando coisas como as descritas por você. Muito obrigada pela leitura do artigo. Fico feliz que tenha gostado.
O coitado foi escolher justamente a filha do delegado Wyatt Earp
kkkk
Conta mais?
Sim você está certo, tanta menina com pai menos feroz e ele foi escolher justo a “filha do delegado”, não? Caro Manoel, fico honrada por meu texto ter-lhe proporcionou um saborzinho de “conta mais”. Os meninos são uma inesgotável fonte de inspiração, pois certamente terei mais o que dividir no futuro. Obrigada!