Fé cega, faca amolada

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Foto: Reprodução Google

Então, como é que se inicia um texto destes? Não sei. Confesso que ainda estou sob o impacto de tudo e tudo me parece um grande pesadelo. Não, não pode ser. A política ainda não chegou a este ponto brutal em nosso país, de um sujeito ir lá e esfaquear o candidato em campanha…

Que facada foi essa, dizem sempre, na democracia? Bem, se a democracia foi atingida, foi bem no peito dela. Cravou ali, no coração da Pátria amada, onde mais dói, onde mais sangra, onde o perigo de morte é iminente e tristíssimo. Onde todos os caminhos vão dar, onde se juntam todas as dores, todas as cores, todas as gentes.

Pretende-se colocar um pouco de poesia no nosso cotidiano tão cruel e tão árido, aonde gestos de loucura vão se apresentando e, aos poucos, se diluindo na natural paisagem diária, nas discussões, nos bares, nas ruas, nos lares, e se distanciando de nós, como um filme velho, que vimos há algum tempo e começamos a esquecer.

Mas há uma fé e uma faca amolada dentro de cada coração. Cada um sabe o que é esta fé e esta faca, esta lâmina brilhante e branca, capaz de cortar todo o mal, toda insanidade, todo gesto de ódio e de intolerância, de loucura e de maldade. Agora, não pergunte mais aonde vai a estrada. Talvez você já saiba, caro leitor, aonde tudo vai dar.

Teve início, há alguns anos, uma guerra insana, uma polarização que parece não ter fim, dois lados que estão numa batalha feroz. Briga de foice, queda de braço. Vamos ver quem vence? E nesse desafio de jactâncias ideológicas, vale tudo. Vale enfrentar as trevas, vale chamar um nome que não se deve chamar e isso representa um perigo inimaginável.

Nossa nação sempre viveu em paz, sem este clima desesperador. O povo sempre foi pacífico e ordeiro. As diferenças de pensamento não geravam tanto ódio e terror, nem facadas em plena luz do dia, com o candidato nos braços no povo, em plena celebração da festa democrática, num processo eleitoral dos mais disputados.

Bela é a festa do povo. Cada um tem o seu candidato e já escolheu em quem votar. Respeitem-se as decisões individuais, suas opiniões, suas escolhas, seus ideais. Na verdade, ao fechar as contas, todos nós queremos o mesmo: um Brasil de igualdade, de melhores condições de vida para todos, de oportunidades iguais, com trabalho, saúde, educação, segurança, o pão nosso de cada dia em toda abençoada mesa deste gentil solo brasileiro!

E por causa desta beleza toda, vamos adotar esta fé, esta faca amolada que nos eleva e enobrece nossas lutas. O brilho cego da paixão e fé, faca amolada! Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo, diz a letra da música tão bela de Milton Nascimento. Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo. Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia. Beber o vinho e renascer na luz de todo dia. A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada.

Que esta faca amolada afie nosso coração. Que esta faca amolada da esperança e da partilha parta o pão em pedaços para todos, na mesma mesa, em comunhão fraterna. Que esta faca e esta fé sejam instrumentos de justiça e de paz para o nosso país, para as nossas vidas, para os nossos sonhos mais belos e para os nossos ideais mais puros!

Que nenhuma outra faca se levante, a não ser a faca amolada do amor e da bondade. A fé de uma faca amolada na pedra do bem e do gesto que faz estender a mão ao próximo, para acolher e apoiar, que faz olhar à nossa volta, para uma realidade que não se esconde mais. Ela está aí, pedindo mudanças, reformas profundas no nosso sistema político.

Basta uma só faca. Basta uma só fé. Fé cega, faca amolada!

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