Instabilidade e dispersão

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(imagem de M W, por Pixabay)

Se pudesse mandar no tempo, entre outras, escolheria, falando nas recentes, aquela época na qual já tínhamos internet, mas não ainda as redes sociais. Dos benefícios e grandes malefícios das mesmas, deixando-se a política, as notícias falsas, espionagens, algorítimos e baixarias de lado, aponto o convite à dispersão como característica negativa. Introdução à total volubilidade e falta de concentração mental que esse sistema induz. Traz ansiedade, inquietação e desenergiza geral.

Vai-se fazer uma tarefa prosaica. Acessar conta bancária, uma consulta qualquer da qual temos precisão, mas chega recado de V. ou de M. ou de A. que legal! Respondo e vêm notícias de hoje, céus, credo em cruz! Tantas informações metem-se apocalipticamente à minha frente. Já, agora, indignada com tantos desvarios deste país, não me posso furtar a um parecer pouco abalizado, talvez, mas meu, então escancaro escancarado mesmo, sem grosseria, mas com raiva e direção.

A seguir, lembro que o face avisou ser hoje aniversário de gente amiga; dar-lhes os parabéns com prazer, flores e bolinhos virtuais. Mas teve um fulano de tal que ironizou meu escrito educado sobre livros e literatura. Respondo a ele ou bloqueio o sujeito? Bloqueio é melhor, até porque gente idiota cansa. Olha só aquele ignorante ou malvado defendendo o indefensável. Noutra página aparece auto ou hetero ajuda; tome fé, mais fé, religião, Jesus. Tome banho, tome vacina, não, vacina não tem. Virá a vacina? O desgoverno do mal mandando ver contra o povo. Estou rangendo os dentes e estes podem quebrar, devo ter consciência disso… Mas volto a frisar que quero vacina e não herbicidas, agrotóxicos, venenos. Chamam no whatsapp, mas estou aqui com o dispositivo conectado para o que mesmo? O que vim eu fazer? Ah sim! lembrei.

Agora a portaria do edifício tocando. Sim, podem deixar a encomenda aí. Chega orçamento que pedi para um serviço, mais outro aviso de comentários aos meus comentários, sei lá de onde, nem porque comentei tanto. Tagarelice, conversa em tempos de pandemia na segurança da distância, papo mole ou pesado de quando em vez no poço fundo e escuro muitas vezes das redes sociais, entre pontos altos, verdade. Tudo isso cabendo num aparelho tão pequeno! E pensar que demorei até a ter um celular… Mas nesse caso, a tecnologia 5 G chegará? E a briga China, EUA, Brazil de arrasto. Ficaremos sem os 5 G e o consumidor pagará?

O que terei feito eu no verão passado, afinal? Ou melhor, na encarnação passada? Com certeza coisas que merecem punição e expiações variadas. Mas foi sem querer, quem sabe. Ou não. Porém, culpada ou inocente, hoje em dia quem não sonha com o paraíso perdido nessa Terra de belezas e temores? Quem não sonha com silêncio, vida, montanhas e rios, luminosidade e paz? Isso é o que eu gostaria mesmo de saber.

*Eloah Margoni, piracicabana, é médica, ecologista e poeta.

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