O cigarro e a infertilidade masculina

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Spadotto_Cigarro-Infertilidade

(ilustração: Erasmo Spadotto)

O jovem engenheiro de automação havia conquistado um cargo de supervisão industrial numa grande empresa da cidade, com bom salário e carreira promissora. A rotina intensa de trabalho, vez ou outra, interrompia-se, quando Bruno se ausentava para fumar. Seguia, sempre, o mesmo ritual: suspendia a atividade, saía para fumar e, ao voltar, lavava as mãos e os braços, além de escovar os dentes. Eram tantos seus cuidados com o asseio, que algumas pessoas lhe desconheciam o tabagismo. Não gostava do cheiro que o cigarro deixava em sua pele e nas roupas.

Em suas horas vagas, Bruno gostava de correr e de pedalar longas distâncias, ainda mais quando na companhia da esposa, Daiana, grande entusiasta dos esportes.

Logo após o casamento, o casal planejava ter filhos e, incentivado pela esposa, Bruno anunciou:

— Daiana, quando você engravidar, eu paro de fumar!

Se advertidos, talvez tivessem tomado, a priori, a sábia decisão. Infelizmente, desconheciam o mal que o cigarro causava à fertilidade masculina, maior que à feminina.

De fato, num estudo realizado em 2005, médicos israelenses comprovaram o comprometimento drástico da fertilidade nos homens fumantes. Foram dosadas, no sêmen, as concentrações de cotinina, um metabólito da nicotina, e excelente biomarcador para avaliar a exposição ao tabaco. Muito utilizada em pesquisas com fumantes, essa substância pode ser encontrada no sangue e em outros fluidos, inclusive de fumantes passivos.

Demonstrou-se que os homens fumantes tinham menor quantidade de espermatozoides viáveis, à medida que o cigarro afetava a qualidade e a mobilidade desses gametas. Sabe-se, ainda, que a nicotina, os metais pesados e as substâncias radioativas, presentes no cigarro, provocam uma quebra no DNA do material genético masculino, predispondo a abortos e a malformações fetais.

A espera do casal foi longa e durou mais de 2 anos, entremeada por algumas consultas a especialistas, até que a confirmação da gravidez da esposa, finalmente, fez Bruno interromper 15 anos de tabagismo.

Conseguiu permanecer em abstinência por cerca de 4 anos, mas, num deslize durante encontro com amigos, voltou a fumar, desta vez, palheiro.

Nessa direção, um costume do tempo dos avós tem crescido entre os jovens — o cigarro de palha, ou palheiro. A ilusão de que esse cigarro é menos nocivo, por ser feito com palha de milho e tabaco natural, atrai novos consumidores. No entanto o Ministério da Saúde alerta que os danos ao organismo são os mesmos do cigarro comum.

Já enroladinhos e com um minúsculo elástico fechando-os, os cigarros de palha têm sua graça, mas possuem, de 5 a 7 vezes, mais nicotina e alcatrão que os industrializados.

Campanhas educativas são fundamentais para informar, corretamente, a população e para reduzir as taxas de tabagismo no Brasil.

Numa consulta, já neste ano de 2022, entreguei a Bruno um exemplar da cartilha que elaborei para apoio aos pacientes. Alguns meses após, ele retornou, com a boa notícia de que conseguira parar de fumar.

Perguntei-lhe se notara alguma mudança na saúde.

— Muitas, disse ele. Sumiram o cheiro ruim e o mau hálito e até marquei uma consulta com o dentista para uma limpeza nos dentes.

Disposição, Bruno conta que tem de sobra, tanto que instalou, na sua “bike”, uma cadeirinha para a filha e, nos passeios aos finais de semana, agora, a família pedala sempre reunida.

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

*Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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