O Milagre de Dona Vani

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Ilustração OMilagredeDonaVani

A casa simples de duas águas constitui uma das poucas construções no local, cujo protagonista principal é a Natureza. Ela não tem muros nem cercas; somente um alpendre e um pequeno terreiro separam o vasto gramado da porta da construção.

À beira da rodovia Piracicaba-Anhumas, a referência para encontrar a morada bem poderia ser o frondoso flamboyant que abraça a paisagem e quase toca o chão com seus galhos carregados de flores vermelhas.

Foi nesse cenário rural que, por toda a vida, Dona Galvani viveu e, ainda nos finais de semana, recebe os filhos e os seis netos.

Apesar de viver num lugar tão belo, distante do barulho e da poluição da cidade, Dona Vani, como carinhosamente a chamam, sente dificuldades para respirar. As pequenas tarefas cotidianas, como dar milho às galinhas, ou molhar o canteiro de hortaliças, provocam-lhe falta de ar e dores intensas nas pernas.

Dona Vani porta tanto o enfisema pulmonar, quanto a doença arterial vascular periférica, ambos consequências do tabagismo, vício que carregava havia mais de 60 anos.

Hoje, a ciência sabe que o fumante se expõe a cerca de 4.700 substâncias químicas que, ao longo da vida, podem causar mais de 50 doenças — desde os mais conhecidos agravos ao aparelho circulatório, como a asma, a bronquite crônica e o enfisema pulmonar, passando pelos letais infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, até o temido câncer.

A nicotina, presente no cigarro, provoca o surgimento de radicais livres, aumenta a inflamação, bem como promove o estreitamento do calibre dos vasos sanguíneos. Já o monóxido de carbono diminui a concentração de oxigênio nos tecidos. Torna-se compreensível o quanto o tabagismo se mostra maléfico para a circulação no corpo humano.

Numa tarde ensolarada do inverno de 2.020, entrei no quarto onde D. Vani se encontrava internada por complicações vasculares. O objetivo da minha avaliação cardiológica era estimar o risco para a cirurgia que ela aguardava — a amputação de uma perna. Conhecendo-a naquele dia e sabendo-a uma tabagista, contei-lhe que havia tratamento para essa doença e convidei-a a procurar-me em meu consultório.

Dona Vani recusou a cirurgia e, com muita oração, vaticinou ao Dr. Ricardo, cirurgião vascular: — Vou parar de fumar!

Estudo publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia revela que 70% dos tabagistas desejam abandonar o vício, devido, principalmente, ao incentivo familiar e ao apoio de um médico especializado.

Hoje, mais de 2 anos após aquele encontro, ela continua sem fumar, desde que tratou o tabagismo comigo. D. Vani, com 73 anos, feliz em saber que eu contaria sua história no jornal, relembra, com um misto de fé e de autoestima:

— O dr. Ricardo disse que se operou, em mim, um milagre! Estou aqui, viva, e andando sobre ambas as pernas!

*Dra. Juliana Barbosa Previtalli – médica cardiologista, integrante do Corpo Clínico da Santa Casa de Piracicaba; diretora científica da SOCESP regional Piracicaba; idealizadora do projeto antitabagismo “Paradas pro Sucesso”.

 *Erasmo Spadotto – cartunista e chargista, criou a ilustração especialmente para este artigo.

A Província apoia o projeto e a campanha antitabagismo “Paradas pro Sucesso”. Para acompanhar outras crônicas desta série, acesse a TAG Paradas pro Sucesso.

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