Pela vida afora
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Enquanto a vida urge, inspira-me a poesia do cotidiano, aquela que insiste em habitar nossa alma. Sobretudo nestes tempos de violência. Quantas mortes, meu Deus. A poesia vem estancar parte deste sangue que rega a terra, cumprindo um papel dos mais dignos diante de tantas atrocidades.
Terá a poesia o dom de parar as guerras, os ataques terroristas, as mortes de tantos inocentes? Terá força para impedir que naufraguem os barcos de refugiados? Não sei. Mas lanço ao universo a humildade do meu verso.
Então, o verso pede que parem. Parem todos! Os que vão a pé, solitários, carregando suas pastas, parem. Os que se espremem dentro do lotação, desçam e parem. As filas intermináveis de carros, parem!
Parem! Detenham os aviões, fechem os portos, suspendam a venda de cigarros e de bebidas. Parem! O que está no campo, volte logo para casa e o que está dentro de casa não saia. Peço a todos que parem! Pelo amor de Deus, eu imploro, parem. E venham ver a rosa branca desabrochar…
Neste prenúncio de inverno, que acho sempre tão poético, um rumor de inspirações me leva para muito longe. Por isso, há dias em que penso voar. Hoje voei. Não voei mais porque não quis. Subi até onde sou aprendiz. A terra era um ponto no infinito azul. E lá do alto, eu vi Cabul. Hoje voei.
No êxtase da subida, pergunto se serei elevada às alturas por dois elevadores. E se haverá um beijo apressado de um anjo pelos corredores. Lá no alto da torre, serei Ícaro, serei Eros, o astro que, dizem, irá colidir com a Terra e enchê-la de calores.
Minha alma tremerá no fragor da colisão. O solo se abrirá nas gretas da fundição. Ó abalo sísmico esperado! Faz tantos anos que espero a bela devastação. Vem, Eros, que te quero, que te quero, dentro do meu coração.
Repasso aqui a antiga poesia do encantamento. Algo simples e devotado, como a prece diária. Minha pobre poesia é pé no chão, taipa de fogão à lenha, leite tirado da vaca, sonho que se ordenha. É cheiro de grama orvalhada, som de trovoada, pulo do sapo na relva, vida renovada. Roupa de algodão, chinelinho rasteiro, dor no coração, pombos no viveiro.
Pois saibam os senhores que versos sentem dores e estou aqui na voragem da vida, rimando sofrida. Minha poesia paulista tem som de viola caipira, repica numa ciranda, roda de dança catira. Minha poesia é pobreza, é sandália franciscana, tem cheiro de café, arroubo de fé e gosto de cana.
Meu poema pobrezinho não tem um vintém, não conhece ninguém, é sozinho. Vive de migalhas, de palavras contidas, veste-se de tralhas, das horas batidas. Meu pobre poema não possui esquema, nem estratagema, nem do ovo a gema. Solitário, canta as tristes cantigas, varre o chão de pedras, deita-se em urtigas.
Meu poema pobre, sem linhagem nobre, não faz feio: vai levando a vida como ao mundo veio. Se me envergonho? Nada! Até componho qualquer um versinho: vou pelo caminho, brada o meu poema, geme o meu pinho. Meu poema chora pela vida afora, altivo percorre as frases solares e rima festivo, solto pelos ares…