E assim caminha a humanidade…
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Deve haver alguma outra crônica de minha autoria com este mesmo título. Toda vez que algo me espanta com profundo horror, costumo recorrer a ele para demonstrar ora minha feroz indignação com algum assunto específico, ora meu repúdio aos atos que brotam de mãos humanas. Junto ao título, uma espécie de conformismo às avessas, a ironia da desesperança.
Impossível não traçar algumas tristes linhas a respeito do que houve em Mariana, no estado de Minas Gerais, mais precisamente no distrito de Bento Rodrigues. Depois que a tragédia acontece, repete-se que era “anunciada”. Então, se havia a possibilidade de se prever tamanho desastre, deveria haver um mínimo de responsabilidade e de bom senso para evitar o que lá ocorreu de forma apocalíptica.
Sim, vejo o Apocalipse em todo navio que derrama toneladas de óleo nos mares e oceanos; vejo sinais dos tempos nestas barragens que se rompem, lavando a terra com esgoto e rejeitos de minério de ferro; vejo luas de sangue enviando avisos aos homens de que é preciso deter esta corrida louca.
Onde iremos parar, ó humanidade? Em versos do passado, o poeta Carlos Drummond de Andrade já descrevia que o horizonte de algumas cidades mineiras mudava de paisagem e que algo sombrio soterraria os sonhos dos seus moradores. Sim, quantos ais! Mas a poesia não traz alívio para essa dor feita de lama tóxica, de um assombro marrom que foi devastando, destruindo e contaminando. A poesia cumpriu o papel de denunciar a tragédia futura, de proporções escatológicas.
Sim, antevejo algo como fogo caindo sobre a Terra coberta de lama e de insensibilidade. Ouço o tropel dos quatro cavaleiros do Apocalipse, vejo o brilho das espadas flamejantes, e posso ouvir as vozes que anunciam: “Ai dos habitantes da Terra!”.
Durante alguns dias, travou-se uma espécie de batalha nas redes sociais para saber qual dor era maior: se a de Minas ou a de Paris. E por que a jornalista Sandra Annemberg, da rede Globo, chorou pelos franceses e não chorou pelos mineiros?
Entendemos que um desastre ambiental é diferente de um ataque terrorista. Mas, ambos são trágicos e contabilizam perdas colossais, ambos guardam dores infinitas. E se nosso coração é maduro e bem formado, choraremos com igual sentimento pelos dois. Paris, Mariana, Bento Rodrigues, Nova York, Londres, Colatina, Hebron, Baixo Guandu… Por onde a dor passar doerá.
O rio Doce, de doce nome, luta contra a morte tóxica. Segundo o fotógrafo Sebastião Salgado, que se criou naquela região, é possível salvar o rio Doce, tratando de suas inúmeras nascentes. Salgado está com 72 anos e disse que espera viver para ver a recuperação do manancial.
Nós também gostaríamos de ver o rio Piracicaba despoluído, limpo, com o antigo esplendor dos peixes e da beleza. Não podemos aceitar a sua morte. Rio Piracicaba, rio Doce, rios do Brasil. Tantos tão sujos e sem vida! Catástrofes silenciosas, que deslizam mudas, sem a respiração da natureza.
E para finalizar a crônica, nada melhor do que repetir o título, caro leitor. E assim caminha a humanidade…