Zero à esquerda

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“Jesus semeou o Reino. Nasceu a Igreja”, dizia um dos professores do curso de teologia que fiz há algum tempo. Durante séculos a Igreja Católica se proclamou a única e exclusiva herdeira e depositária da Revelação. Tanto que botou para fora muita gente bem intencionada por discordar de seus métodos; embora deva mais aos que ousaram desafiá-la que aos submissos sua afirmação como referência moral, ética, etc.- no Ocidente principalmente. Para que tomasse posições, definisse dogmas e verdades de fé, hereges com suas teses esdrúxulas contribuíram mais que teólogos. Ainda hoje, mesmo reconhecendo que Deus se revela também fora dela, existem ministros que ficam mordidos quando são questionados ou criticados. Já tomei muita bordoada por causa disso e vou tomar de novo.

Dizem que se trata de perseguição à Igreja. Acontece que para muitos bispos e padres parece ser o sacramento da Ordem e não do Batismo que faz alguém membro da Igreja. Mexeu com eles, mexe com ela deixando entrever patológica simbiose. Pudera quem somos nós diante deles? Afinal deixaram família, amigos, amores e alguns até a própria terra para servir à Igreja. Mesmo não tendo a maioria deles vocação tornaram-se celibatários; dizem que para melhor servir, embora raramente se encontrem disponíveis. Ora, a Igreja pode ser divina em sua doutrina, mas sua práxis é plenamente humana e seus membros cometem os mesmos pecados que grassam a sociedade. Ela não é proprietária da Revelação, mas sua seguidora, necessitando, portanto de conversão contínua. Os pecados que maculam a Igreja são mais coletivos que individuais.

Sendo leigos – isto é, fora da hierarquia já que não nos tratam como Povo de Deus – nossa obrigação é acatar tudo o que vem de cima, até erros grosseiros? Não podemos questionar, propor mudanças? Parece que na visão de alguns clérigos somos nada, chafurdados que estamos nas coisas do mundo. Grosso modo falando, o leigo na Igreja de Piracicaba é zero à esquerda. Não há espaço, motivação ou estrutura para que a riqueza de seus talentos seja coletivizada, como fala o Apóstolo. Se leigo ocupa o presbitério é porque faltam padres. O grosso do laicato serve para encher igrejas como ovelhas a balir. Na assembléia segue o roteiro, faz leituras, canta, bate palmas, balança os braços. Acaba a celebração cada um retoma seu drama e seu solitário rumo.

Embora haja padres que tratam seus leigos como tesouro precioso, na maioria de nossas paróquias resta ao leigo se enquadrar em pastorais assistencialistas; fazer parte do Conselho Paroquial para referendar decisões consolidadas; vender rifas, dar o dízimo (e como falam de dízimo nas missas!); fazer festas a fim de erguer ou reformar templos e salões paroquiais, que passam mais tempo fechados que abertos. Interessante que os cristãos da primeira hora se reuniam nas casas. Os de hoje gastam mais recursos e tempo na construção de igrejas que na formação de comunidades. Igrejas paroquiais reúnem massas. Ora, Jesus não trouxe movimento de massas. Massa age como manada porque é imediatista, não se relaciona; curte arrepio, choro, milagres e portentos. Nada a ver com Evangelho, que é experiência do amor de Deus através do outro. A massa iguala, padroniza, unifica. A comunidade humaniza, acolhe, aquece, personifica, pluraliza, converte; resgata e socializa talentos.

Muitos batizados que no mundo são bons cidadãos e profissionais competentes poderiam colocar sua inteligência e seus dons a serviço do Evangelho, e assim fazer a Igreja ser sal da terra e luz para um mundo que tateia nas trevas. Porém, deixaram a Igreja porque povo tapado e resistente ao novo; controlado por gente acomodada que sabe nada e nem quer saber; não faz e nem deixa fazer não atrai, afugenta.

“Conheço sua conduta: você não é nem frio nem quente. (…) Porque é morno, nem frio e nem quente, estou para vomitar você da minha boca”. (Ap 3, 15 – 16).

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