Bullying

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Minhas orelhas são feias. Ah, são! Elas não têm aquela curvatura bonita no lóbulo superior, e foram logo chamadas de “orelhas de rato”. Quanto sofri! Na adolescência, deixei os cabelos crescerem, e isso foi o grande achado da minha vida.

No primário, a professora pedia a uma aluna para recolher os tinteiros no fim da aula. Eu recolhia os da minha fileira numa caixa e ia guardar dentro de um armário. Havia uma menina que me impedia de colocar a caixa junto com a dela. Olhava-me com desprezo e dizia: “A sua vai ficar no porão!”. Era a última parte, a mais baixa do armário.

Um dia recolhi tudo bem rápido e fui ao armário primeiro. Pois ela chegou, tirou minha caixa e passou pro andar de baixo, rindo. “Você é no porão!”. Nos meus 8 ou 9 anos, queria entender qual a razão daquilo.

Nunca abri minha boca, era um poço de timidez e vergonha. Ficava vermelha por nada. Morria de medo dos professores, dos colegas e de certas pessoas. Sabia, desde cedo, captar a atmosfera interior de algumas almas inclinadas a nos magoar.

Minha mãe costurava até que bem. Cismei que queria uma blusa de alças. Pronta a peça, vesti e fui desfilar na casa de uns parentes próximos. Uma prima, mal me viu, disparou: “O Carnaval já passou”. Todos riram muito lá e eu voltei para casa arrasada. Minha mãe me consolava: “Use a blusa de gosto, não ligue…”.

Nessa época escolar, eu já despontava para a redação. No quarto ano, brilhei. A palavra era “marcha” e foi posta em votação a melhor frase. Neusinha, um doce de amiga, construiu: “A marcha para o destino é cruel”. E eu: “A canoa deslizava com a marcha das ondas”. Minha frase venceu, até a professora elogiou. Mas uma colega que voltava comigo a pé para casa veio me atormentando sem parar. Ria de mim, que a frase era feia e que eu era uma boba.

Uma de minhas irmãs me conta que, no primário, uma coleguinha a beliscava. Por nada. Ela não entendia por que a menina fazia aquilo e foi, por repetidas vezes, vítima dos tais beliscões. Contou-me também de uma menina que, na fila da confissão, ficava atrás dela e desamarrava o laço do seu vestido.

Mas comigo, os episódios de bullying foram mais sofridos. No ginásio, enquanto meus cabelos ainda cresciam, uma colega descobriu minhas “orelhas de rato” e passou a debochar de mim. Mal me via,  começava a pegar nas orelhas das outras, elogiando.

Sofri até por ser bonita. Há uma idade em que desabrochamos. Havia uma amiga que, seu eu fosse, ela não ia. Se era um baile, pior, aí é que não me convidavam. Sofri rejeição. Deus sabe como isso nos fez chorar. Hoje, faço um rabo de cavalo para as aulas de Pilates, orelhas à mostra, e enfrento o mundo…

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