Elias Rocha, o Elias dos Bonecos (6)
“As pessoas de fora, do estrangeiro, vêm fotografar, filmar os bonecos, eu acho bacana. Domingo vi uma mãe com filhos pequenos fazendo lanche junto com os bonecos na Casa do Povoador. Ela fingia que dava comida para os bonecos só para as crianças comerem, depois as crianças ficaram brincando e falando com eles. Na hora de ir embora uma das crianças deixou um pedaço de bolo na mão de um bonequinho. Outro dia vi um bêbado chorando abraçado num boneco; tem os trombadinhas que gostam de “zoar” com eles, bonecos. Eu acho bonito as pessoas ficam olhando os bonecos, eles acabam virando diversão para o povo”.
Elias Rocha
Enquanto expressão lúdica, os bonecos ultrapassam o único universo das crianças para questionar o mundo e o território febril e “desnaturado” do homem adulto contemporâneo.
Mais depoimentos de seus conterrâneos falaram sobre isso:
“As crianças das escolas vêm aqui (Casa do Povoador) para ver de perto os bonecos, e aproveitam o tempo para brincar com eles. Brincando com os bonecos elas aprendem um pouco sobre a história do Elias e do rio. Com seus bonecos ele tenta mostrar a todos nós como seria a sociedade do homem”.
Depoimento de Elssio Palone, videomaker e fotógrafo, 2001.
“Elias retrata o cotidiano, parece que ele se vê nos bonecos, os bonecos são uma extensão da sua vida, do que ele é”. (Depoimento do jornalista Marcelo T. Bachi, 2000.)
“O Elias faz os bonecos para os turistas, eles gostam e as crianças também. O povo gosta, distrai o povo”. (Depoimento de Luiz Ferrari, eletricista aposentado e figura conhecida da Rua do Porto, 1999.)
“Com seus bonecos de pano, borracha e madeira Elias conseguiu criar uma atmosfera encantadora, fazendo com que a paisagem a beira rio ficasse mais alegre, convidativa e com vida”. (Milton Martini, Op. Cit.)”
“A arte do Elias é uma forma de resistência à padronização cultural, à globalização, que chegou para padronizar os gostos. Quanto mais ela resiste à esse ambiente de homogeneização, mais adquire um caráter lúdico, revolucionário”. (Depoimento do jornalista, escritor e ambientalista José Pedro S. Martins, 2002.)
Pelos relatos ficou claro que a arte de Elias atuava, interagia e interferia, de um modo positivo, junto ao público e ambiente, retratando de um modo particular o cotidiano de uma cidade. Os bonecos sempre foram uma distração para o povo, como o próprio artista reconhece.
Não se pode ignorar a importância do lúdico presente na vida de Elias, nem aquilo que representam seus bonecos para a cultura local e regional. Trazendo alegria ao rio, à Rua do Porto e à cidade, eles não só eternizaram seu criador mas exercem em seu imaginário e no da população uma força simbólica importante.
Certa vez, como relata, Nordahl perguntou a Elias o que representavam na sua imaginação os bonecos fincados na beira do rio. A resposta foi a seguinte:
“Para mim os bonecos são gente da minha família com as quais eu converso. São gente trabalhadeira da cidade. Eles representam antigamente quando todo mundo tinha seu lugarzinho na beira do rio e a água era limpa, dava para beber com a mão, do fundo dava para ver os peixes. É o rio que dá alma aos bonecos”.
Para maior reflexão sobre o que representam os bonecos no imaginário coletivo, mais alguns depoimentos de seus conterrâneos.
“Do lado oposto à Rua do Porto, pode-se ver pescadores, marinheiros, bombeiros, noivas e famílias inteiras. Todos sempre atentos a quem passa e aos pescadores”. Revista Panorama – Publicação interna para os funcionários e amigos da General Motors do Brasil, Piracicaba, SP, ano XXVII, fev/1990, n.2, p.16.
“Elias conseguiu, com seus bonecos, captar uma forma de vida passada, uma visão paisagista e saudosista do rio, ele quer mostrar que os pescadores não desapareceram da sua imaginação, se recusam a aceitar a invasão da poluição”. (Depoimento de Alceu Righeto, Coordenador Pedagógico.)
“Os bonecos representam os vigilantes do rio, são os guardiões de nossas águas e do meio ambiente”. (Depoimento de Aparecida M. G. Abe, ex-Secretaria de Ação Cultural da Prefeitura Municipal e atual vereadora de Piracicaba, 1999.)
“Os bonecos representam anjos da guarda, que trouxeram mais vida e alegria para Piracicaba”. (Depoimento de Adolfo Queiróz, Professor de Comunicação da UMESP e UNIMEP, 2001.)
“Os bonecos são enviados de Deus para proteger o nosso rio que está tão poluído”. (Depoimento da atriz Daniela Folchi, 2001.)
Localizados em espaços urbanos, de recreação e lazer e de domínio público, os bonecos, apesar de estáticos e não esboçarem o menor sinal de modificação em seu estado de espírito, tem um forte poder de persuadir, de iludir, de fazer com que as pessoas imaginem, reflitam, divaguem. No imaginário coletivo, eles lembram a liberdade, têm o dom de ressuscitar pessoas, são anjos da guarda, enviados divinos para proteger o rio. Conseguem captar uma forma de vida passada, que traz uma certa nostalgia, um saudosismo, simbolizam as antigas pescarias, o peixe que era abundante, a alimentação farta, a resistência à destruição do rio e o resgate da cidadania de Piracicaba.
Boneco pescador, símbolo de uma luta. Nordahl C Neptune – 2001.) O autor da dissertação finaliza:
“Como meio de comunicação, representação e expressão popular que resiste às padronizações e à globalização, os bonecos do Elias são portadores de uma mensagem de protesto, tornaram-se mito e símbolo de uma cidade na luta contra a poluição do rio Piracicaba.”
Você pode também assistir ao vídeo da dissertação:
Elias dos Bonecos – parte 1
Elias dos Bonecos – parte 2