“In Extremis” (55) – Minha palmeira inspiradora

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Folha da Palma Talipot, da espécie “Corypha umbraculifera”. (foto: Montgomery Botanical Center)

Na adolescência, tomei uma decisão profunda: “Vou morrer aos 25 anos”.  –  decidi. Ninguém haveria de afastar-me daquele propósito. Havia, sim, de quando em quando, uma ponta de dúvida. Pois outras paixões enlevavam-me às alturas do sonho e do desejo. Por exemplo, eu queria – também e ao mesmo tempo – ser um jornalista como David Nasser ou Carlos Lacerda; ser escritor maior e mais brilhante do que Machado de Assis; tornar-me zagueiro do XV de Novembro no lugar de Idiarte; ou ser centroavante do Corinthians substituindo Baltazar.

Morrer aos 25 anos foi-me quase uma obsessão. Eu pertenceria, então, à elite daquela formidável geração de poetas, artistas, escritores, compositores definhando pela tuberculose num quartinho de pensão. Fascinava-me pensar em Castro Alves, Casemiro de Abreu, Álvarez Azevedo e outros de que já não me lembro. Para alcançar meu objetivo, preparei-me para o romântico fim: comecei a fumar aos 10 anos; fui levado ao meretrício com 13; aos 14, comecei a namorar a Mariana; aos 16, ingressei na loucura do jornalismo e, aos 18, fui sacudido por outras paixões. A vida era bela demais e eu não esperava apaixonar-me tanto por ela.

Confesso ter sentido, sim, uma levíssima decepção ao completar meus 25 anos. Eu não morrera e estava explodindo de vida, de vontade de ficar. Nascera-nos, à Mariana e a mim, a primeira filha. Publiquei o livro de estreia, o “Eunuco para Ester”, já era diretor e dono de jornal. Mas, aconteceu o golpe militar. E meu instinto de morte voltou a funcionar. Lutar, enfrentar e, então, morrer aos 33 anos. Igual a Jesus Cristo. Pelo menos, isso…

Comecei, porém, a questionar o meu propósito trágico. E passei a temer ir-me embora aos 33 anos. Pois, aos 32, eu já era pai de cinco filhos, o que de mais belo e grandioso me acontecera na vida. Foi quando tomei a grande decisão: “Se não morri até agora, não vou morrer mais!” E resolvi viver o mais alegremente possível. Mas não avaliei aquilo que Sartre detectara: “O Inferno são os outros”.  E que infernais realmente foram, alguns deles, para mim!

Processos judiciais, detenções no DOPS, no G-Can de Campinas, boicotes comerciais e publicitários, ameaças a filhos, o sistemático abalo à estrutura familiar, conjugal, longa prisão domiciliar – e eu, lutando para suportar.  Mas resisti, apesar de – no mais fundo de mim – saber tratar-se de uma guerra sem sentido. A ditadura desmoralizou-se, ditadores vestiram o pijama, máscaras caíram, heróis revelaram-se bandidos. Confirmou-se não ser plana a Terra. Pois o mundo deu voltas.

Vivi, então, o deslumbramento da vida.  Mas, aos 50 anos de idade, o preço dos excessos foi-me cobrado na saúde. Infartos, as chamadas doenças ruins, a filosofia de UTI… Ir-me embora justo quando tentava, eu, ser jardineiro, um jardim na terra, um na minh´alma? Fiz, então, uma, para mim, pungente oração: que eu pudesse, pelo menos, ver minhas arvorezinhas crescerem.  Que, apenas, chegasse a ver florirem os meus dois jardins.

Certa tarde, o José Flávio Leão – querido amigo – visitou-me, presenteando-me com uma pequenina muda de palmeira com seu histórico:  era indiana, costumava durar 80 anos, chegaria à altura de 40 ou 50 metros. Floresceria uma única vez, com esplendor majestoso. E morreria em seguida.

O Zé Flávio augurou-me: “Quero que você viva tanto quanto a palmeira.”   Passaram-se 25 anos. A palmeira cresceu uns oito metros. E, agora, completo 80 anos. Olho minha palmeira inspiradora e rendo graças aos céus. Mas estou espantado. Não sei nem o quê dizer.

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