“In Extremis” (196) – Pelé, Lula, XV, tristeza, esperança

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Pelé. (foto: Paulo Vitale | VEJA | www.placar.abril.com.br)

A vida dá sinais. A cada instante. Sempre. E o grande desafio está em saber percebê-los. Daí, então, conseguir interpretá-los. O final de 2022 e o início de 2023 alcançaram-nos, ao mesmo tempo, como um terremoto e uma chuva de alvíssaras. Morreu Pelé. Morreu Bento XVI. O ex-soldado na então presidência fugiu com medo de ser preso. O também então vice-presidente aproveitou o tempinho no poder para falar besteiras. Os tolos daqueles estúpidos acampamentos frustraram-se com a vitória da democracia. Lula tornou-se presidente ainda outra vez. E chorou de compaixão pela fome dos pequeninos. A transformação aconteceu num galope: a esperança, vencendo o medo; o ódio, derrotado pela solidariedade. Sinais da vida. Que se revela como lição a sempre ser aprendida.

Há tanto a comentar, tanto e tanto. Porém, ainda penso em Pelé. Sinto Pelé. Tenho saudade de Pelé. Pois, tudo o mais seguirá o seu próprio caminho. Francisco continuará, ainda, a substituir Bento; o ex-soldado haverá de pagar por seus desatinos; Lula, apesar das imensas dificuldades, governará. Mas… Pelé não terá quem o substitua. Nem agora, nem nunca. Ele não é apenas o eterno Rei do Futebol. Ele está no Olimpo dos deuses pagãos, o deus dos esportes. Quem viu, viu. Quem não viu, jamais verá.

Em meio ao turbilhão de acontecimentos, um caro amigo envia-me uma lembrança comovedora: alguns minutos do jogo entre o XV de Novembro e o Santos de Pelé. Perdemos por 7 a 2.  Foi no dia 10 de dezembro do longínquo ano de 1961. O palco era, ainda, o pequenino estádio do XV, na rua Regente Feijó, onde, hoje, está um supermercado. E como me dói ver tal casa comercial no lugar daquele que foi o templo do futebol dos piracicabanos, a casa do XV, a Panela de Pressão! Quanto nos custou construí-la! Eu tinha apenas 9 anos – em 1949 – e fui ajudar meu pai a, junto com a população, reformar o estádio para o Nhô Quim ingressar na Divisão Especial. Foi uma epopeia. Era a glória! O XV tornara-se o primeiro clube do interior a participar da elite do futebol brasileiro.

Ah! o campo da Rua Regente, o “campo do XV”, a “Panela de Pressão”. Naquele gramado, desfilaram, lutaram, derramaram lágrimas, suor – e sangue também – Leônidas da Silva, Baltazar, Julinho, Pinga e… Pelé! Lá, amaram, choraram, glorificaram-se Gatão, Idiarte, Pedro Cardoso, Xixico e tantos de nossos heróis. Como foi possível – ó, céus! – o templo de nossos heróis tornar-se um supermercado, por importante que este seja? A história é, também, feita de dores, de decepções. E a Vida honrou-me em ser partícipe dela. Lá me vou, pois, a abrir outro parêntese. Mais um.

O estádio glorioso estava para ser leiloado, o XV em uma crise quase mortal. O presidente do clube era o Romeu Italo Rípoli. E o vice-presidente, o poderoso Leopoldo Dedini. Nasceu-me, então, a ideia: por que não pedir, até mesmo implorar, para o Leopoldo adquirir o estádio? Foi uma luta. Leopoldo não o admitia, receoso de, em o fazendo, vir a ser tido como oportunista. Insistimos, alegando a derrocada do XV. Por fim, concordou. Mas exigiu: “Compro, mas o Cecílio tem que me dar um beijo e a foto, publicada.” Não hesitei, beijei-o. Leopoldo adquiriu o estádio com o compromisso de revendê-lo ao XV na primeira oportunidade. Mas Leopoldo morreu. Os herdeiros venderam o templo para um supermercado. Negócio legal. Mas triste.

Esse texto – escrito com saudade – nasce apenas para uma sugestão. E creio que justa. Por que não se colocar um busto de Pelé no pórtico que restou? Com poucas palavras: “Neste lugar, Pelé pisou.” Apenas isso.

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