Jogo bruto

BrutoPensei falasse, a leitora, do Maradona, de suas xingações gratuitas. Enganei-me. Sua preocupação era quanto aos primeiros discursos eleitorais, o tom das agressões. Recusei-me a qualquer comentário pois a leitora – como milhares de cidadãos – acredita em campanha política limpa, suave, leal. Não tenho o direito de desfazer ilusões. Mas não acredito nisso. Já vi as vísceras do monstro.

Não conheço campanhas políticas limpas. Nem mesmo para eleger diretoria de time de futebol varzeano. O jogo é bruto. O poder enlouquece. O mínimo que se poderia esperar é lealdade. Mas em tempos pragmáticos, o “importante é levar vantagem sempre” e é única a lei, a do “vencer ou vencer”. Nessa cegueira, mesmo lealdade é temerário esperar-se de litigantes. As regras do boxe e do futebol são, certamente, mais cavalheirescas. E decentes.

Numa outra luta – que não sei se ainda existe – o “vale tudo”, havia elasticidade no regulamento, regras mais flexíveis. No entanto, tinha que se respeitar pelo menos uma delas: não atingir as partes baixas do adversário. Em política, bate-se da cintura para cima e da cintura para baixo. Bate-se por trás, bate-se de lado. Só não se bate pela frente. Pois, para isso, é preciso lealdade. Em política, importa o resultado, independentemente dos meios. Como o lucro, o voto não tem cheiro, cor, religião ou origem. O contrário disso existe e tem nome: ideal. No mundo político, porém, ideal é sinônimo de poesia. Ou de ingenuidade.

Ora, em pleno andamento de uma Copa do Mundo, seria adequado insistir em ideais universais, confraternizações e, especialmente, do ainda inatingível “ideal olímpico”, sintetizado na frase quase singela: “o importante é competir.” Vencer ou perder, portanto, detalhe. Em Copa do Mundo, não há sonho olímpico, em especial aquele da antiguidade grega. A Copa marca-se por interesses econômicos e disputas mercantis entre empresas. Nela, o importante é vencer, como confirmando a “Humanitas”, teoria do machadiano Quincas Borba: “Aos vencedor, as batatas.” Danem-se os vencidos. Como em política. Como no mercado.

Ora, minha geração vem de um mundo já muito lá de trás. Após a II Guerra Mundial, as primeiras décadas foram de lutas de reconstrução universal, o idealismo proposto por mundos irreconciliáveis: comunistas, socialistas, as esquerdas, numa frente; liberais, neofascistas, a direita, em outra. A partir de ideologias diferentes, propunham sistemas econômicos também diferentes. Mesmo conflitantes, as idéias, no entanto, irradiavam-se a partir de um centro marcadamente humanista. Num vasto caldeirão de “ismos”, políticos e intelectuais tinham o que dizer. No final, apenas o poder econômico venceu. E o bem comum passou a soar como ingenuidade.

Se há ou houve, portanto, campanha eleitoral inteiramente limpa, confesso não tê-la conhecido. O pontapé inicial da atual – que já causa apreensão à leitora – é apenas uma “avant première”. Prometi-me ficar à distância, pedindo ajudem-me, os céus, a ter esse mínimo de sabedoria. Os quadros estão aí, postos e claros: o antigo, que já conhecemos; o atual, que estamos conhecendo; o novo, que ainda não se conhece. Voltar, ficar ou tentar. Como diz o povo, “vai ter para todos os gostos”. Quanto à Copa do Mundo, o Brasil ainda me dá um frio na boca do estômago. E bom dia.

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