Cavalgar estrelas

picture (74)Quando me perguntam como estimular crianças à leitura, respondo que começando por lhes contar histórias. Das mais fantásticas, as da carochinha. Digo-o, porém, por dizer. Pois, ultimamente, não sei mais se livros e leitura têm importância para alguns pais que se justificam: Ronaldinho nunca leu nada. Nem a Luciana Gimenez. E aí está o Lula, cujo conto de fadas acontece agora.

Voou pela internet, há algum tempo, um belo texto sobre o escritor, esse contador de história. Citava-se D´Alembert quando comentava a desimportância do poeta e do escritor em mundos práticos e imediatistas. Numa ilha deserta e desabitada, eles não teriam utilidade alguma; o agrimensor, sim. E, com toda certeza, não foi um romancista que descobriu a roda. Mas dar asas a carruagens de fogo, fazer tapetes voar e inventar anjos dançando cirandas nos céus – isso é coisa de poeta e escritor. A regras dos bancos mundiais não são.

Ouço, ainda hoje, perguntas sobre o “Miserere mei, amor”, romance meu que fugiu de mim e anda por aí. Há algumas curiosidades de alguns leitores: quem é quem, o que é real, o que é fantasia? Não ouvem se lhes digo que um romance é, apenas, um romance. Nem a pergunta sem resposta: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? Ora, em quase toda história o autor está nela; mas nem toda história é a do autor.

Os contos da carochinha povoavam-se de bruxas e princesas que não existiram na vida real: tornaram-se bruxas e princesas. Júlio Verne não deu a volta ao mundo em 80 dias. Mas fez de conta. E viajou. Numa ilha deserta, o escritor, em noite de solidão, contaria histórias para aliviar o sono do agrimensor. E – quem sabe? – ajudá-lo-ia a sonhar com uma ilha melhor.

Crianças, apesar dos tempos, precisam ouvir histórias. O mundo real não é apenas o que aí está, mas aquele que se deseja e, então, que se constrói. O real é mutável, uma arquitetura. As religiões são mais sábias do que as ideologias políticas. Estas constroem realidades pobres, um fim em si mesmas, que ruem, impérios que desabam. Religiões prometem um real “a posteriori”: sofre-se aqui e agora para ser feliz depois, sabe-se lá quando e onde. O mundo é da carne; o paraíso, da alma. Governos não satisfazem corpos; igrejas dão esperanças à alma. São histórias. Mas vive-se disso. Nisso.

Histórias, pois, é preciso contá-las. Sem nunca, porém, revelar, às crianças, o final delas. Quê importa como, depois, viveram Branca de Neve e o príncipe encantado? Basta saber que aconteceu, que “era uma vez…” E que “foram felizes para sempre.” Se cada um inventar um final para si mesmo, poderá, a sua, ser uma história feliz.

Poderia ter sido amargo o fim de Branca de Neve, se vivido no real destes tempos globais. Plebéias ainda sonham com príncipes e eles surgem em cavalos brancos – eis o sonho. E como termina? Foi conto de fadas o casamento de Dianna e Charles. Depois, anoréxica, vítima da “maladie d´amour”, a tragédia a engoliu. A razão de Estado – fera de sempre – venceu a bela. A tragédia de um acidente, roubando-lhe a vida, tornou-a imortal.

Acontece, depois, no Japão. A plebéia Masako – casada com o príncipe Naruhito, herdeiros do Trono do Crisântemo – foi a nova vítima do sonho encantado. Tornando-se princesa, a plebéia morreu enquanto mulher. Isolada, viveu sua depressão sem fim. A bruxa ainda vence no castelo global.

As crianças têm direito ao sonho. De repente – por que não? – algumas delas conseguirão cavalgar estrelas. E, então, descobrir outros mundos além da economia, esta que mata esperanças e sonhos. Viver é como um romance. Contar o final é estragar a história, seja ela boa ou ruim. Bom dia.

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