Dezembro e crises natalinas

picture (5)E eis dezembro, fim de ano. Natal, penso eu, é para quem acredita em Papai Noel. E somos nós, velhos e crianças que sabemos de algumas coisas. Pena que o “Pequeno Príncipe” tenha sido banalizado como leitura secundária, pois se tornou desconhecido às novas gerações. Não o fosse, ajudaria a entender o Natal, pois já ensinava a raposa de Saint Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”. Ora, Papai Noel e Natal são, quase sempre, esse essencial, invisível aos olhos. Por isso, velhos e crianças acreditamos neles: os olhos de ler ficam no coração. Enxerga-se de dentro.

Nos rostos das pessoas, no entanto, já há sombras de crises de Natal. Conheço-as bem, muitas ainda guardadas no fundo do peito. Pois, até recentemente, também as tive com, aliás, intensidade excessiva, pode ser. Ainda agora, há rescaldos, marcas da vida que se não apagam, ficando, talvez, apenas escondidas sob a poeira do tempo. Cicatrizes d´alma – como sujeirinhas que se jogam debaixo do tapete – apenas se disfarçam. É como se, sob escombros da vida, lá nos ficassem ciscos, cinzas, bolores, nódoas, a que damos nomes como saudade, tristeza, desilusão, decepção, solidão. Por isso, não acredito em quem diga não tê-las, as crises de Natal. Não há Natal sem elas.

Crianças e idosos acho que – por olhar o mundo com o coração – aprendemos lições de remediar as coisas. Mais facilmente do que jovens e os que se vão amadurecendo, descobre-se que, para o que não tem remédio, remediado está. O povo pobre, em sua humildade, sabe fazer limonada de limões. Confesso ter aprendido. Ou estar quase aprendendo. Talvez por isso, desisti de sofrer no Natal, sinto que cansado de saudade, de perdas, de distâncias. É lição que criança, mesmo a contragosto, aprende quando Papai Noel lhe dá não o presente desejado, mas o que foi possível. Como crianças, velhos encontram a saída e a maneira de remediar o irremediável. Basta assumir que Natal dói. E, então, lamber as feridas. Não é assim a própria vida, que também machuca? Pois viver é bom. Mas também dói.

Prefiro estar próximo de pessoas que se lamentam do Natal – que se queixam de tristezas, de crises, de solidão natalinas – a estar com quem finge indiferença. O mundo pára no Natal. Interrompem-se até as guerras. Independentemente de religião, há uma imemorial religiosidade de Natal, de ciclos, de nascimento, vida, paixão, morte, ressurreição. A nossa é, ainda, como marcha em relação a Sol e Lua, entre solstícios de Inverno e de Verão, equinócios de Primavera e Outono. O Natal cristão é antecedido por reverências pagãs em torno desse sol Mitra dos antigos persas e indianos; do Osíris egípcio, do Adônis grego. Na essência das coisas – e eis aí a raposa, de novo, dizendo do invisível aos olhos – Natal é, também, rito de passagem, momento de esperança, de expectativa, algo dando lugar ao que irá começar. Ou, então, pausa para refletir sobre o que começou.

É melhor, acredito, viver crises de Natal a fingir não tê-las. E pessoas que – de tão frias e objetivas – realmente não as têm? Tenho medo de gente assim, sem alma e acreditando em mundos desalmados. Crianças e idosos, acho eu, pelo menos fingimos crer em Natal e em Papai Noel. Então, faz-se de conta. E – cá para nós -quando se descobre que viver é a arte do faz-de-conta, tudo fica mais fácil. Entre mentiras de Pinóquio ou de político, de promessas de Papai Noel e de candidatos, é mais alentador acreditar em quê? Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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