Fotos e melancolia

De quando em quando, penso entender índios que fogem a fotógrafos, temerosos de que eles lhes roubem as almas, captadas pelas lentes das câmaras. A fotografia, na verdade, capta e guarda momentos humanos que acabam eternizando-se. Um gesto, um sorriso, uma lágrima, um olhar continuarão vivos enquanto a foto existir. E, com ela, a pessoa permanece viva, como que imortalizada. Índios sabem que, numa foto, não apenas eles estão lá gravados e fixados, mas a alma também aprisionada.

Fotos podem ser bênçãos mas, também, fonte de dores e de saudade. Se fazem relembrar tempos e lembrar pessoas, fazem, também, quase sempre, recordar ausências, amargar distâncias. São documentos inexoráveis de que algo e alguém existiram, a fixação da memória. Confesso não saber, ainda hoje, se a memória é uma graça para o ser humano, se a sua grande condenação. Quando o poeta diz que recordar é viver, certamente não quis contar a outra dimensão, a verdade sofrida. Pois, muitas vezes, recordar é morrer de novo.

Em meus guardados, há milhares de fotos. De filhos, da família, de Piracicaba, de pessoas que conheci, com quem convivi, gente anônima e personalidades. Nos últimos tempos, evito vê-las, deixando-as quietas e esquecidas em seus sepulcros de papel. Mas, querendo divulgar as fotos de interesse histórico de Piracicaba, fica-me impossível evitá-las. E, então, a cada uma que toco com dos dedos, parece-me estar retomando histórias, na recordação de fatos, de acontecimentos e, em especial, de pessoas. Percebo que, agora, isso dói. Pois pessoas e lugares desapareceram, foram-se e, com elas, não é possível negar que se vai também muito de nós. Quanto mais se vive, mais vazios ficamos. Por ausências, por perdas, por decepções. E é como se estas superassem alegrias e prazeres vividos.

Na verdade, tudo parece depender do olhar com que se olha. Ao ver fotos de filhos quando crianças, brincando, rindo, fazendo traquinagens, não há como deixar de sorrir à lembrança de alegrias vividas. E com vontade de ser o senhor do tempo para a vida congelar-se naqueles instantes, naqueles anos. Ah! se os pais soubéssemos como tudo é tão rápido, como tudo se transforma, haveríamos, sim, de viver mais para as crianças, com elas, por elas e, por isso mesmo, para nós, conosco, por nós. É um estalar de dedos, é um piscar de olhos. Quem diria que aquela menininha de cabelos encaracolados, com bonequinha nas mãos, é mãe de meus netos? E o garoto chorão, machucado no joelho, pai de outros netos meus? Cadê os meus meninos, cadê?

Vejo-me no time de futebol da juventude, entre amigos. Naquela foto, estão guardados todos os sonhos de juventude e ainda sou capaz de contar como eram nossas noites e dias, a união perfeita dos amigos, os ideais, esperanças, sonhos. Quantos sobraram? E os que ainda existem, sonhos, teriam ligações com os que não foram realizados?

Quase sempre, vejo, embevecido, um meu vizinho passeando com o filhinho, o primeiro. Com insistência, falo carinhosamente diante da cena linda: “Aproveite. Meninos crescem.” Na última vez, quando lhe falei, o moço balançou a cabeça e, quase triste, respondeu: “Eu sei. Já estou percebendo.” E, um dia, haverá a memória para recordar. Ou fotos. Por mais beleza exista em tudo, há, também, melancolia. Bom dia.

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