Idiotização infanto-juvenil

Confesso ter dúvidas até certo ponto angustiantes. Muitas, aliás. Pois todas as grandes transformações sociais e humanas produzem perplexidades e transições difíceis de serem apreendidas e compreendidas. Aceitá-las ou não? Concordar ou não? Ou deixar estar para ver como fica?

Ora, o ser humano lúcido não deve temer por mudanças, pois elas são inevitáveis. A questão está, penso eu, em saber distinguir o passageiro do permanente, avaliar aquilo que é apenas modismo e aquilo que ficou para valer. A internet é exemplo magnífico dessa transformação que veio para ficar. Fugir dela é idiotice, falta de discernimento, conservantismo tolo. Saber usá-la com sabedoria, esse é o desafio atual diante de uma ferramenta tecnológica que já muda o mundo, numa revolução sem precedentes.

Essas coisas, estou escrevendo-as por uma dessas minhas muitas dúvidas angustiantes. Penso em crianças e adolescentes. De hoje, de antes. Com tantos recursos científicos e tecnológicos, com tantos instrumentos educacionais que podem servir para a afirmação mais adequada aos desafios do mundo – qual universo infanto-juvenil teria possibilidade de amadurecer com mais firmeza, o de hoje ou o de ontem?

Penso em passarinhos soltos, leves, voando por espaços imensos. E penso em outros, presos em gaiolas, emudecidos em seus cantos, com asas que se deterioram por falta de voar. E,dentro de mim, vai-se firmando uma convicção cada vez mais dolorosa: crianças e adolescentes de antigamente – mesmo com tanta falta de recursos materiais, sem nenhuma parafernália tecno-científica – eram não apenas mais felizes, mas mais preparadas para a vida. Fomos crianças que aprendemos com o amor e com a dor. Já sabíamos, desde o início da vida, que teríamos de lutar, de aprender, de conhecer as regras da vida. Apesar de tantos tabus e até mesmo de superstições, o nosso cotidiano era um misto admirável do real e do fantasioso. Diante da rudeza do real, criávamos as fantasias que desejávamos fossem nossa realidade. Acho que a explicação mais simples se resume nisso: tínhamos os pés no chão. Literalmente. Andávamos descalços e a energia vinha-nos da terra. O húmus do chão nos fazia humanos.

Há umas três décadas, morando numa chácara com mulher e filhos meus, recebemos a visita de um sobrinho, de cerca de 10 anos e seus pais. A criança, de repente, viu animais que rodeavam a chácara: bois, bodes, cabras. E viu galinhas ciscando no chão. O menino, excitado e inquieto, correu chamar a mãe: “Mãe, mãe, venha ver a Knnor.” Galinha, para ele, era a do caldo Knnor.

Os nossos são tempos medrosos, de insegurança não apenas física e material, mas, também ou especialmente, de insegurança psicológica e espiritual. Sonhos, aventuras, riscos, ousadias passaram a ser apenas virtuais. O mundo real é o que está na televisão ou no Facebook. O Grande Irmão – criação de George Orwell, não da Globo – venceu e está à espreita, vigiando, ameaçando, causando pavores. A cautela necessária se transformou em medo paralisante. A prudência passou a se confundir com covardia. As pessoas têm medo da vida, medo do mundo, medo de amar, medo de acreditar. E transformam crianças e adolescentes em suas grandes vítimas.

Chegamos à Lua, já estamos em Marte. Aqui por baixo, estamos inventando o novo ser humano, com a idiotização de nossas crianças e adolescentes. Enquanto cientistas mergulham no Universo, pais e mães encarceram seus filhos em prisões de luxo. Bom dia.

 

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