Mirante: outro patrimônio devastado
Piracicaba parece ter-se especializado em uma visão bárbara – para não dizer estupidamente selvagem – de administração pública. Não há mais valores culturais, espirituais, históricos a se preservarem. Se a maioria dos políticos – que passaram pela Prefeitura Municipal – administrasse cidades como Roma, Paris, eles, certamente destruiriam ou abandonariam patrimônios da humanidade como, por exemplo, o Coliseu, o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel. E, curiosamente, tentaram, por aqui, imitá-los. Tanto assim que a ridícula ponte estaiada – sobre o Rio Piracicaba – já está sendo conhecida como “Torre Eiffel Caipira”. Ou “Túmulo do Faraó”.
Já se destruíram o centenário Hotel Central, a Casa Rosada; o local onde nasceu Adhemar de Barros, e não importa se foi político polêmico, mas um governador piracicabano; ocultaram a Cascatinha do Pisca, no interior da ESALQ; perdemos os bondes históricos; ninguém mais sabe onde foi parar a Loca de Pedra; tentaram matar a memória de Francisco Morato, alterando a denominação da ponte, que levava seu nome; mudaram o nome da Estrada do Bongue, nome misterioso, exótico e cheio de significados.
Nestes últimos dias, o jornal impresso “A Tribuna Piracicabana” – e, também, o seu jovem e brilhante redator, Erich Vicente – denunciou o abandono a que está relegado o Parque do Mirante. Primeira pergunta que me faço: quantos piracicabanos, das atuais gerações, já passearam pelas entranhas daquele paraíso? Quantos sabem a sua história e sua importância cultural e turística para Piracicaba, além dos profundos sentimentos afetivos que nossos ancestrais tiveram por aquele lugar edênico?
Na década dos 1930, o notável Sérgio Milliet – um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve em todos os tempos – em visita ao Mirante, numa tarde de muito frio e com a bruma das águas confundindo-se com a névoa do clima, exclamou, extasiado: “Parece que estou na Suiça!” E a própria expressão “Véu da Noiva” nos vem do salto e de suas imediações, o nevoeiro que cobre a região e chegava até o centro da cidade. Quem sabe ou se recorda que – em final do século 19, início do 20 – vereadores da época recusaram-se, enfaticamente, a ceder o Salto para a construção de uma hidrelétrica da Light, que forneceria energia elétrica gratuita à cidade por 99 anos? Os edis – aqueles, sim, nobres edis – rebelaram-se contra a simples pretensão de um atentado aos dons da natureza piracicabana.
O Parque do Mirante foi criação do Barão de Rezende e, por isso, por muitos e muitos anos, foi chamado Parque do Barão. Foi ele que construiu o Mirante primitivo, belíssimo, como parte do jardim de sua casa. As famílias piracicabanas iam, felizes, fazer piqueniques no local. E os visitantes deslumbravam-se com tanta beleza. Foi na administração de Salgot Castillon – a primeira, iniciada em 1960 – que se deu a ampla e belíssima reforma do Mirante, com obras de arte de piracicabanos, especialmente o encantador mural elaborado por Clemência Pizzigatti. E o surgimento do Restaurante Mirante, em 1962 – inaugurado no dia 1º. de agosto, juntamente com o novo parque – foi o grande “start” para toda aquela área atrair turistas de todas as partes do Brasil. Fazia parte da visita a Piracicaba, “comer pintado na brasa”, do Mirante. Ainda hoje, por onde se ande, há quem se lembre com saudade daquele restaurante e da qualidade dos peixes. Pescadores, durante a piracema, “caçavam” peixes com as mãos, mostrando a fertilidade de nossas águas.
Ter permitido o fechamento do Restaurante Mirante – seja qual o motivo, pois, para tudo, há negociação e acordos – foi um dos golpes mortais no Parque e no turismo. Quantos prefeitos foram vistoriar ou apenas passear por entre aquelas árvores centenárias, sendo inspirados por aquele nicho sagrado de nossa natureza?
O abandono e o descaso – que violentam o Parque do Mirante – são exemplos vivos de um tempo de políticos materialistas que – nos poderes municipais – não conseguem entender o sentido histórico, cultural e espiritual de cada palmo de uma cidade. O Mirante é um templo que foi profanado. E ai dos profanadores de templos! Cedo ou tarde, eles serão penalizados. Bom dia.