Um homem rico

O texto foi publicado no dia 19 de agosto de 1979 em “O Diário” e depois selecionado para o livro “Bom Dia – Crônicas do Autoexílio e da Prisão”

Que grandes e maravilhosos amigos consegui angariar ao longo da vida, bendito seja Deus! Cego que fui, preocupado com cicatrizes e amarguras deixadas por adversários e inimigos, não valorizei os tesouros que acumulava ao lado e em contrapartida.

Tenho sentido — aqui, na cidade imensa – o carinho e a dedicação de amigos fraternais, que me visitam, que me procuram, convidando-me a encontros ou jantares informais. Fica-me a impressão de que formaram uma proposital ou tácita confraria, que me sustenta emocionalmente na solidão voluntária a que me propus ou a que me vi forçado, distante da família. São momentos tocantes, emocionantes, comovedores. Pois, vejo-os retardarem a sua volta, instalarem-se muitas vezes no mesmo hotel onde me alojo, simplesmente para me fazer companhia, como que preocupados com minha saudade e minha solidão.

Fazem-me bem, mesmo que não tenham, ainda, entendido que fiz uma opção consciente, livre, adulta e que a única grande saudade é a da ausência dos que me são caros. A angustiada pressa é a de poder reuni-los ao meu lado com todo o seu carinho e a imensidão de seu amor. Sinto-me livre e feliz, mergulhado numa efervescência cultural que me fez falta e me deixou faminto. Mas mentiria para mim mesmo se não dissesse sentir falta das pessoas e das coisas que me foram tão caras e que continuam sendo parte da minha própria vida. Não apenas dos meus familiares. Mas também dos amigos, pois tenho amigos tão fraternos como se fossem irmãos de sangue.

Sinto falta de minha Pasárgada, lá onde fui amigo do rei, onde as pedras falam e os pássaros cantam na plenitude integral de sua pureza. Lá onde as flores conversam, onde os homens se humanizam, onde se respira o hálito de Deus. Sinto falta, imensa falta, como se parte de mim tivesse sido arrancada. (NR – Referência ao Seminário Diocesano onde se realizavam os Cursilhos de Cristandade). Sinto falta das noites alegres em que jogava futebol de botão com meu filho, da revanche que ele sempre me ficava devendo, das derrotas que eu sofria por culpa do meu Palhinha (NR – Jogador do Corinthians) de plástico que se machucou. Não vejo a hora de vê-lo a meu lado, em todos os momentos, ouvindo-o dizer com o olhar malicioso: “Paiê, quer tomar uma sova?” Claro que quero e como quero! Sinto falta do meu cantinho solitário, do cheiro de mofo dos meus livros espalhados pelas estantes, dos discos que me acompanharam em minhas meditações e reflexões.

E aguardo ansiosamente que eles cheguem, que novembro não tarde, que a primavera faça desabrochar em meu jardim de cimento as flores que me deixam a alma em atropelo. Mas, enquanto isso, vou bendizendo a Deus pelos amigos que chegam, que me procuram, que se esforçam para diminuir a distância, para encurtar ou alongar o tempo.

Comovem-me, pois sinto que querem participar de minha vida e isso, para mim, é o meu maior prêmio, a satisfação de ver que, entre as pedras do caminho, encontrei sementes generosas que se arraigaram e germinaram. Comovem-me, porque vejo como se violentam para retardar o seu retorno, dando-me algumas horas a mais de conversa, de recordações, de rememorações religiosas como a que diz ter um tesouro aquele que tem um amigo.

Sou rico, bendito seja Deus! Possuo tesouros incalculáveis, pois tenho amigos sinceros, fraternos, desinteressados. Como tenho pena de mim mesmo, quando me recordo que dei muito mais de minha vida preocupando-me com inimigos do que com os amigos que me enriquecem a vida. Vale-me, porém, como lição. Agora, amo-os ainda mais. Bom dia, amigos.

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