“In Extremis (12)” – Recorrendo a Cícero

pergunta

(imagem: reprodução Pixabai)

Perdoe-me o eventual leitor. Mas espero venha a ter, se possível, um mínimo de compreensão para comigo. Talvez, até mesmo de ínfima solidariedade. Acontece que não aguento mais. Essa coisa toda, que está por aí, atinge-me não apenas como cidadão brasileiro, mas como pessoa humana. Sinto-a como agressão pessoal, aquela ofensa que muitos chamam de “caso de Polícia”. Ou de “levar para o Juiz”, já que “reclamar para o bispo” não adianta mais. Nem para o pastor.

Estou com vergonha. E mais doloroso é que não se trata de vergonha de mim. Pois, se o fosse, eu pediria perdão pelo que tivesse feito e me envergonhasse. Minha vergonha é por outros, por alguns que não se envergonham de nada. Mas que causam vergonha. Envergonhar-se por ou dos outros dói ainda mais, pois nada se pode fazer para, pelo menos, remediar.

Chega um momento em que a paciência se esgota. E esse esgotamento parece ser uma penitência histórica, milenar. Sinto-me, porém, recompensado pela escola que frequentei na minha longínqua adolescência, na juventude. Pois foi naqueles bancos escolares de um país do passado que conheci um pouco de Cícero (Marco Túlio), o maior dos tribunos romanos, filósofo, político, sábio. Cícero perdeu a paciência, envergonhado que também ficou. Com vergonha de um militar e também político, Catilina, que tentava desmoralizar e até mesmo destruir a República de Roma. A história universal é feita de muitos Catilinas – que ainda existem – e de cada vez menos Cíceros.

Por causa da ignorância, da truculência, da estupidez, do despreparo e da tirania de Catilina, Cícero deixou uma das mais poderosas armas literárias da humanidade: as “Catilinárias”. São, aqueles discursos, a sua honrada indignação diante da perigosa mediocridade do militar – não sei se, à época, havia a patente de capitão –, o enlouquecido Catilina, que ameaçava destruir a república.

Cícero começou lamentando: “O tempora! O mores!” (Ó, tempos; ó, costumes.”) E lançou o brado que atravessou os séculos e que, desgraçadamente, pode ser evocado ainda hoje, como já o estão fazendo intelectuais mais antigos:

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra” – (Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?) Esse brado de indignação de Cícero diante de ameaças à integridade de um povo, a valores morais e sociais da Roma republicana foi lançado 60 anos antes de Cristo! Há quase 2.100 anos, portanto. A vergonha diante da mediocridade, a defesa de valores cívicos criados e honrados por um povo – como a “coisa pública” (res publica), o “bem público” – já existiam. E eram proclamados. O silêncio seria comprometedor. Cúmplice, covarde, conivente, irresponsável.

No auge da ditadura militar brasileira – e negá-la ou mascará-la é atitude desonesta, obra de mentiroso! – jovem ainda que eu era, muitos tentaram calar-me na minha responsabilidade jornalística de protestar. Um homem digno – D. Aníger Melilo, bispo de Piracicaba – veio em meu auxílio e apenas falou: “Ai do cão de guarda que se cala!” Jornalistas ou se assumem como cães de guarda de uma sociedade ou não podem dizerem-se jornalistas.

A cada dia que passa, venho assumindo os meus limites humanos, minha velhice, esse “in extremis” pessoal. Mas ainda sinto e tenho vergonha. Meus latidos perdem a força, mas, por enquanto, consigo rosnar. Mesmo que seja inutilmente.

Socorro-me, por isso, do grande Cícero, diante de um Catilina de nossa era:

“Por quanto tempo essa tua loucura ainda há de zombar de nós?”

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