“In Extremis” (181) – Meu pai tinha nove dedos

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“O reconhecimento por tudo o que o Brasil proporcionara àqueles imigrantes esperançosos de um novo lar. E que o encontraram sob nossos céus encantadores, na água abundante, na terra fértil.” (imagem: Ullash Borah / Unsplash)

Aprendi, desde a infância, o dever de respeitar o governante deste país que abrigou os meus ancestrais. Entendi a gratidão devida a uma terra e a um povo que acolheram meus avós vindos das históricas terras do Oriente. Meu avô paterno tornou-se mascate para, honradamente, manter a família à qual vim a pertencer. Ouvi conversas e narrativas das maravilhas quase perdidas do mundo árabe. E, também, o reconhecimento por tudo o que o Brasil proporcionara àqueles imigrantes esperançosos de um novo lar. E que o encontraram sob nossos céus encantadores, na água abundante, na terra fértil.

Aprendi a amar o Brasil a partir da gratidão de minha gente também imigrante.  E a entender o respeito para aqueles que governavam a terra acolhedora. Aprendi a manter-me imóvel e com a mão no peito ao ouvir o Hino Nacional. Aprendi que “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá.” Desde pequenino, sei cantar a “mãe gentil”. Ensinaram-me o respeito ao Presidente da República, ainda que ele fosse, quando nasci, o ditador Getúlio Vargas. O governante máximo de um povo há que ser visto como alguém merecedor da dignidade do cargo. E, portanto, um referencial. Era assim.

Mas eu não posso, não devo e não quero respeitar esse senhor a que passo a chamar de Jair Boca Suja e que se arroga governante máximo da nação. Esse homem ofendeu meu pai. E, se um governante ofende e xinga meu pai pelo fato de ele ter nove dedos – esse homem merece meu desprezo. Pois meu pai – tal qual o ex-presidente Lula – também tinha nove dedos. Ainda mocinho – e estudando na antiga Faculdade de Odontologia – ele era aprendiz de marceneiro para ajudar no sustento da família. Uma serra decepou-lhe o dedo polegar de uma das mãos. Não pôde mais estudar. Não pôde mais sonhar sonhos juvenis – ele, filho do mascate vindo da Arábia.

Quando o Boca Suja tenta humilhar o candidato Lula pelo fato de, também ele, ter nove dedos, esse homem tenta humilhar meu pai e todos os deficientes físicos do país que ele deveria governar, dignificar. Mas que ele avilta e envergonha. Não se trata de zombar de uma deficiência física apenas de Lula. Trata-se de demonstrar desrespeito a um ser humano. Ele já zombou de mulher, dos cabelos de pessoas pretas – dizendo ser ninho de abelhas – desprezou homossexuais, desrespeita quem não é à sua imagem e semelhança.

O Boca Suja ofendeu também meu pai. A qualquer hora, ele poderá zombar de quem tiver perdido uma perna: um “perneta”?  Ou sem uma das mãos: um “maneta”. Ou “zarolho” a alguém sem um olho. É desumano, cruel e, portanto, inapropriado de conviver com semelhantes civilizados. E, muito menos, para exercer a presidência da República, mesmo que a nossa fosse de bananas.

Esse homem ofendeu todas as famílias que tenham alguém com o sofrimento de alguma deficiência física ou mental. E que família não se entristece com a dor de pessoa querida? Ele não se dá respeito nem a si próprio. Por isso, não entendo haja quem, perdendo o senso crítico, pretenda mantê-lo na presidência da República. Quem concorda com ele é semelhante a ele. Pensa como ele. Assemelha-se a ele. E, portanto, revela ressentimento, raiva, ódio – mesmo que escondidos na alma.

O Brasil precisa despertar a vergonha adormecida. E o início disso está em cada um envergonhar-se de alguém que faz, da presidência da República, uma caserna com coral de bocas-sujas. Há que se ter nobreza no exercício do poder. Já perguntei a um que outro amigo empresário qual deles contrataria esse cidadão para administrar sua empresa. Ficaram em silêncio.

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